Os Filmes Brasileiros nas Salas de Cinema
Ao longo de sua história, o cinema brasileiro sempre foi marcado por ciclos, que geralmente se desestruturavam ao longo do tempo, quando se esgotava o contexto que permitiu cada uma daquelas iniciativas. Foi assim com as chanchadas da Atlântida, com o Cinema Novo e com a Embrafilme, para citar alguns dos mais importantes, que caracterizaram períodos relativamente curtos de enfrentamento local ao predomínio do produto estrangeiro nas salas de cinema, especialmente de Hollywood.
Após a extinção da Embrafilme, o cinema brasileiro viveu seus piores indicadores, com o lançamento de apenas três filmes em salas de cinema no ano de 1992. A partir daí, no entanto, com a criação das Leis de Incentivo (especialmente a Lei Rouanet, em 1991, e a Lei do Audiovisual, em 1993), a produção cinematográfica nacional voltaria a dar um salto, no que se convencionou chamar de período da “Retomada”. A nova legislação permitia que os contribuintes destinassem um percentual do Imposto de Renda devido para a atividade, em mecanismos de patrocínio (Lei Rouanet), investimento (Art. 1º da Lei do Audiovisual) ou coprodução (Art. 3º da Lei do Audiovisual, destinado para empresas do setor, que remetiam lucros para o exterior).
Em 1995, 14 filmes brasileiros ganharam as telas, com números anuais crescentes até o patamar de 30 filmes lançados em 2001, ano de criação da ANCINE. A Medida Provisória que criou a Agência também instituiu mais dois mecanismos de incentivo: o Art. 39-X, que permitia a isenção da CONDECINE (contribuição criada pela norma) para as empresas programadoras de TV Paga que remetiam lucros para o exterior, e o FUNCINE, fundos de investimento que operam com uma lógica semelhante à do Art. 1º da Lei do Audiovisual, permitindo um abatimento aos contribuintes do Imposto de Renda que aplicassem recursos na produção e distribuição de filmes brasileiros.
Pelo menos no indicador do número de obras brasileiras lançadas em salas de cinema, os resultados do início da década de 2000 foram rápidos, com 71 filmes lançados no ano de 2006. Neste mesmo ano, a Lei 11.437 cria o Fundo Setorial do Audiovisual, de forma a disciplinar a aplicação dos recursos recolhidos através da CONDECINE, e o Art. 3ºA da Lei do Audiovisual, que permitia às empresas radiodifusoras o mesmo abatimento de Imposto de Renda devido com a remessa de lucros para o exterior, aos moldes do então Art. 3º, voltado para as empresas distribuidoras de cinema.
Os primeiros editais do FSA foram lançados em 2008, e o primeiro filme produzido para salas de cinema com recursos do Art. 3º A foi lançado em 2010, justamente o estrondoso sucesso “Tropa de Elite 2”. Em 2011, 100 filmes brasileiros conseguiram alcançar a tela grande. Em 2012, foi promulgada a Lei 12.485, que regulamentou a TV Paga no Brasil, instituindo cotas para a produção brasileira neste segmento e uma nova fonte de recursos para o FSA, originada da contribuição das empresas de telecomunicação que já estavam operando no setor. Em 2009, eu já era um servidor da ANCINE, admitido através de concurso público, e pude testemunhar in loco a criação das primeiras linhas do FSA e as tratativas para a promulgação do novo marco regulatório.
A partir daí, o número de filmes brasileiros lançados em salas de cinema não parou de crescer: em 2013, foram 129 obras; em 2016, quando eu já estava atuando como superintendente de fomento da Agência, 142 filmes, chegando aos números de 160 em 2017 e ao recorde de 183 obras lançadas no ano de 2018. Em 2019, quando deixei o cargo, foram 167 filmes lançados. Muito por conta da situação de pandemia, o ano de 2020 representará uma queda brutal neste indicador, sendo que menos de 50 obras brasileiras foram lançadas em salas de cinema até o momento.
Durante todo esse tempo, é verdade que outros indicadores não obtiveram o mesmo sucesso, sendo que o market share do filme nacional, durante o século XXI, oscilou no patamar de 10% a 20%, quase sempre dependendo do desempenho de grandes blockbusters nacionais para alcançar os melhores resultados. São muitas as variáveis e desafios que precisam ser enfrentados para a correção dos rumos da política pública. De toda forma, o número de produções finalizadas e lançadas em salas representa um contingente enorme de trabalhadores do audiovisual empregados, de roteiristas a eletricistas, atores e editores, passando pela máquina do marketing e da distribuição dessas obras.
Para quem entrou na ANCINE esperando trabalhar pela democratização do acesso aos recursos públicos, esta foi uma trajetória ao mesmo tempo pedagógica e revigorante, apesar de todas as dificuldades. Após experiências marcantes como produtor independente, vivendo as frustrações e desilusões com a atividade de captação, financiamento e distribuição, e também tendo passado anos vivendo a realidade industrial do audiovisual como produtor da TV Globo, observar de perto a recuperação da indústria audiovisual brasileira nas primeiras décadas do século, à luz das políticas públicas desenvolvidas, me estimula a cada vez mais seguir em frente, evitando os erros e apostando nos acertos.