III. A Gincana
Sem perder mais tempo, todos deixam a sala da presidência. Zé calcula que teria uma boa vantagem sobre PC e Cassinho, que trabalhavam nos andares de baixo, mas Melissa era um problema, pois sua sala se localizava naquele mesmo andar da diretoria. Fingindo ir ao banheiro, ele liga do celular para Neuza, e ordena que ela vá aos arquivos do Instituto e só saia de lá quando conseguir a nota fiscal de compra do tal porta-retrato.
– Questão de vida ou morte, Neuza! Vida ou morte! E eu quero agora uma reunião minha com o Pedro e o João Henrique… Chama a Bruninha também!
Antes de descer, porém, Zé Augusto tem uma ideia genial. Ele sabia que o CPU da rede se localizava no terraço do prédio. Subindo pela escada de serviço para não ser pego pelas câmeras, ele chega até a pequena sala refrigerada cheia de computadores. Sem qualquer cerimônia, Zé puxa uma porrada de cabos conectados nos painéis laterais. Até que descobrissem o problema, a equipe de Paulo Cesar certamente perderia um bom tempo para atender os chamados do resto dos servidores. No Instituto podia faltar até café, mas ficar sem internet era coisa intolerável para aquela malta de encostados.
Quando Zé chega na sala, esbaforido, Pedro, João e Bruna já esperam o chefe no aquário. Ele nem precisa entrar para dar a primeira ordem:
– Pedrão, você tem que ir ao depósito agora! O Cássio do Almoxarifado já deve estar lá procurando um porta-retrato naquelas caixas empilhadas! Precisamos garantir que ele não vai encontrar nada lá hoje, você entendeu?
Provando ser o fiel seguidor que Zé tanto valorizava, Pedro não questiona nada e sai correndo pela porta, como se fosse tirar o pai da forca. Apoiando os braços na mesa e lançando um olhar desafiador para os interlocutores, como sempre fazia quando queria demonstrar a importância de uma tarefa imbecil, Zé Augusto explica aos demais o que esperava da sua tropa de elite.
– Bruninha… A sua missão é a mais importante. – Zé faz uma pausa dramática, antes de prosseguir. – Nesse momento, a Neuza já deve estar no arquivo pra gente saber onde esse porta-retrato foi comprado. A Melissa acha que tá com a faca e o queijo na mão pra levar essa, mas não vamos deixar isso assim. Eu quero que você vá ao Gabinete agora pra despachar tudo o que for possível com ela, pessoalmente, e faça de tudo pra atrapalhar as secretárias. Elas não podem ter essa informação antes da gente!
– Deixa comigo, chefe. Posso levar também aquelas notas de empenho?
O rosto de Zé se ilumina, e ele aponta para Melissa, satisfeito:
– Isso! Boa garota! E não esqueça de anexar tudo e mandar pra filial!
Com um sorrisão nos lábios, Bruninha sai da sala dando uma piscadela sensual para o chefinho, que então se volta para João.
– João, pra você tá mais tranqüilo… Acho que o PC deve ter alguns problemas na próxima meia hora, mas eu preciso que você desça até a TI pra me manter bem informado sobre o que eles estão arrumando por lá, ok?
João, que era metido a esperto, arrisca uma ideia genial:
– Chefe, eu posso subir até a CPU do terraço e dar um jeito na rede…
Zé olha para o subordinado com aquele ar de superioridade que era sua especialidade.
– Não precisa. – Responde Zé, sorrindo.
João capta a maldade no ar e sai do aquário invejando a sagacidade de seu mentor.
Satisfeito com a reunião de equipe, Zé apoia as pernas sobre a mesa, dá uma esticada nos braços e pensa no que fazer. Tinha que pensar estrategicamente a partir dali. Como diabos conseguiria aquela informação?
Alguns instantes depois, Neuza volta à sala carregando com dificuldade três caixas de documentos. Zé Augusto se recompõe e prontamente abre a porta de seu cubículo para que ela entre.
– Tá tudo aqui! Peguei no arquivo todas as caixas com as compras de mobiliário e decoração…
– Manda geral vir pra cá agora, Neuza. Eu quero todo mundo vasculhando essa papelada pra separar todas as notas fiscais de porta-retrato!
Em questão de minutos, todos os demais servidores da coordenadoria já estão fazendo a triagem daqueles papéis embolorados. Alguns tossem com a poeira e os fungos, outros não escondem a má vontade. Zé deixa Neuza coordenando a tarefa, e decide ir até a janela para fumar um cigarro.
Enquanto isso, Bruna chega ao Gabinete carregando suas pastas. Ela percebe que as secretárias estão caçando e-mails antigos, tentando descobrir onde o tal porta-retrato foi adquirido. Melissa observa tudo com atenção, olhos sobre os ombros da equipe. Exultante, a emissária de Zé despeja sobre a mesa uma porrada de relatórios, e comunica com firmeza:
– Urgência aqui, pessoal. Demanda formal da coordenadoria. Tudo isso tem que sair hoje sem falta.
As secretárias olham para Melissa, aguardando um comando.
Já no depósito, Pedro vê que Cássio lidera seu time na operação árdua de desempilhar e abrir algumas caixas enormes com objetos variados. O ambiente é escuro e pouco ventilado. Certamente eles teriam muita dificuldade em achar qualquer coisa ali.
Quando João chega à central de TI, percebe com satisfação que todos os técnicos estão ocupados atendendo uma caralhada de reclamações. No meio de tudo aquilo, Paulo Cesar parece atônito, e não sabe nem como começar sua busca.
Zé Augusto dá a última tragada no cigarro e joga a guimba pela janela. Ele pede uma parcial para Neuza, que já está fazendo algumas ligações.
– Duas notas até agora, boss… Mas uma papelaria faliu, e a outra empresa tem certeza de que não trabalha com fotos de cachorro.
Zé faz uma cara de preocupação. Se tivessem comprado a peça na loja que fechou as portas, todo aquele esforço seria inútil. De repente, escuta o toque de seu celular. Era Pedro, falando baixo.
– Chefe, parece que eles estão na pista certa aqui… Abriram uma caixa e tão retirando um monte de material de escritório.
Zé Augusto fica apreensivo, mas rapidamente pensa no que fazer.
– O alarme de incêndio, Pedrão. Dispara o alarme de incêndio.
Do outro lado da linha, Pedro faz silêncio. Costumava cumprir ordens sem hesitar, mas aquilo parecia ir longe demais.
– Tá na escuta, Pedro? Toca o alarme. Agora. – Insiste Zé.
O funcionário terceirizado respira fundo para tomar coragem. Recuando até um corredor próximo, ele quebra o vidro do quadro de alarme e aperta o botão vermelho. Uma sirene histérica começa a tocar, e os sprinklers do andar começam a esguichar água por toda a parte.
Em segundos, Cássio e sua turma saem correndo dali, apavorados. Pedro aproveita a deixa para entrar no depósito e arrastar para fora a enorme caixa aberta, que já começava a se desfazer, completamente encharcada.