A Magia do Set de Cinema
Em meados de 1998, eu tinha acabado de me formar na Escola de Comunicação da UFRJ e já estava trabalhando em meu primeiro emprego de carteira assinada: assistente de marketing de uma empresa de equipamentos navais, na Glória. Na época, minha grande aspiração profissional era trabalhar em alguma agência de publicidade. Aos vinte e poucos anos, eu assinava a revista Meio & Mensagem e achava que aquele universo de gente criativa era a coisa mais interessante do mundo.
Foi quando um dos meus melhores amigos da faculdade, Daniel Mattos, me convidou para participar da produção de um curta-metragem que ele estava produzindo e dirigindo com outro colega, Marcos Felipe Delfino, que eu somente conhecia de vista. O curta era baseado num conto magnífico escrito por outro grande amigo da ECO, Luís Fernando Lima de Brito, e se chamava “O Bolo e o Queijo”. Segundo o Daniel, o motivo para o convite tinha sido bem objetivo: eu era um de seus únicos amigos que tinha um carro, e eles precisavam que alguém buscasse um dos atores do filme na Tijuca e o levasse até a locação em Barra de Guaratiba.
Sem ter nada mais interessante para fazer, aceitei a missão. Era um dos atores que depois também iria participar do nosso filme de longa-metragem. Logo de cara, fiquei surpreso com o comportamento do sujeito. Tinha embarcado estressado, pois tivera alguma discussão em família, e me perguntou se eu me incomodaria se ele acendesse um cigarro. Diante da minha autorização, o que ele tinha omitido é que seria um cigarro de maconha. Na verdade, uma pequena ponta, que ele me ofereceu algumas vezes, sem que eu aceitasse. No fundo, eu estava era com muito medo de ser parado pela polícia, mas felizmente para mim a guimba logo foi arremessada pela janela muito antes da metade da viagem.
Lembro que cruzamos quase toda a Avenida das Américas com meu passageiro me contando a história de uma peça de teatro que ele tinha idealizado, mas que não tinha cenas nem diálogos. Só gestos. Fiquei pensando seriamente em como ele tinha escrito a peça, mas não tive coragem de perguntar. Sozinho, o ator do curta tinha assunto para duas viagens longas como aquela, e eu estava concentrado no horário e em não errar o caminho.
Quando chegamos ao set, num sítio bucólico que contava com um casebre em ruínas e uma paisagem interiorana que servia perfeitamente para a história, logo me senti em casa. A única pessoa que eu conhecia bem ali era o Daniel, mas aos poucos fui me enturmando com o resto da equipe, a maioria jovens profissionais de uma produtora de publicidade chamada Tec Cine, onde o Marcos Felipe trabalhava na época. Todo aquele clima literalmente me enfeitiçou. Era um bando de gente meio maluca, mas todos ali compartilhavam sonhos. Sonhos em forma de imagem e som.
De “Bebe-Água”, como são conhecidas as pessoas no set que não fazem outra coisa, fui sendo escalado para tapar um buraco aqui e outro ali, por vezes operando o video assist acoplado à câmera de cinema utilizada no curta (filmado em 35mm), outras ajudando no carregamento do maquinário e do acervo de arte, chegando até a operar a icônica claquete da produção. Pode parecer um trabalho simples (e hoje em dia até mesmo desnecessário), mas havia uma técnica e uma função importante envolvidos na “arte” da claquete. Como nas antigas câmeras de cinema o som e a imagem eram captados separadamente, o ruído da claquete era usado para sincronizá-los na pós-produção, e por isso a batida tinha de ser seca e rápida, num estalo com nova abertura, de forma que restasse apenas um frame exato da claquete fechada.
No fim do dia de filmagem, eu me encontrava bastante cansado, mas imensamente feliz de estar participando de tudo aquilo. Ver as cenas se realizando ali na frente dos meus olhos, o trabalho dos atores, dos maquinistas e demais técnicos que faziam aquela máquina funcionar, parecia uma coisa mágica. Nenhum texto criativo ou campanha publicitária se comparava àquilo. Por minha própria vontade, retornei nos demais dias de produção, visitei locações, bati várias claquetes, busquei mais atores e até um “domador de baratas” importado de São Paulo que eu tive de recepcionar no aeroporto.
Quando percebi, já estava debatendo sobre o resto da produção com o Daniel e o Marcos Felipe, diretores e produtores do filme. Conheci o Mario Nakamura, produtor que também ajudou no projeto, e todos os demais profissionais que fizeram a pós-produção do curta. Tornei-me um produtor associado, passei noites em claro fazendo a marcação de cor após a revelação dos negativos, assistindo ao copião e dando pitacos na edição e na sonorização do filme, que circulou o Brasil em diversos festivais, ganhando vários prêmios.
Por conta da experiência marcante, me inscrevi num curso de Produção Executiva na Estácio de Sá, com o Tuinho Schwartz, que se tornou mais um dos amigos na profissão. Larguei o emprego em Marketing, comecei a fazer mestrado e decidimos os três, eu, Daniel Mattos e Marcos Felipe, que era a hora de abrir uma empresa produtora. Naquele tempo, as Leis de Incentivo davam os seus primeiros resultados, e a perspectiva de captação de recursos para a produção de um longa-metragem não parecia uma ilusão.
Nós estávamos enganados, mas ainda iria levar um tempo até que descobríssemos os meandros e as agruras da “indústria”. E também não sabíamos que toda aquela caminhada seria o nosso maior tesouro, escrevendo em linhas tortas uma aventura no audiovisual que resultaria finalmente no tão sonhado longa-metragem, uma passagem marcante pela TV e finalmente o ingresso na Agência Nacional do Cinema (ANCINE), onde pude testemunhar o apogeu da política pública para o audiovisual brasileiro.