III. Café com o Chefe

III. Café com o Chefe

[Antes: II. Subgerente]

Danton volta correndo pelos corredores em direção ao banheiro. Se tivesse alguma sorte, o que parecia improvável àquela altura, talvez pudesse recuperar o celular antes de alguém passar a mão no aparelho. Mas aquela não era mesmo a sua noite. Quando Danton entra no banheiro, percebe que três jovens fortes e mal-encarados estão se divertindo, fazendo ligações com o seu celular.

– Esse celular é meu. – Diz Danton educadamente, mas meio hesitante.

Fred olha para Duda e Junior e abre um sorriso debochado. Ele estende o celular na direção de Danton, mas quando este vai pegá-lo, Fred arremessa o aparelho para Duda. Ainda com educação, Danton pede o celular para Duda, que joga o aparelho para Junior. Já irritado com a brincadeira, Danton tenta alcançar o telefone quando este é lançado de volta para Fred. Enfurecido, ele tenta agredir Junior, mas seu braço é contido com facilidade a meio caminho. A partir daí, Danton apanha impiedosamente dos três rapazes. Depois de muitos socos, joelhadas e chutes, ele é deixado inconsciente no banheiro, caído em cima da privada da última cabine.

Fred joga o celular de Danton em outra privada e sai do banheiro com os amigos, satisfeito com a surra aplicada. Pouco tempo depois, dois faxineiros do shopping, os mesmos que tinham lanchado ao lado de Danton e Davi, entram no recinto e começam a averiguar o local. Um deles abre a porta de uma cabine e se espanta com o que vê:

– Aí, Pepe, vem cá ver uma parada sinistra.

O faxineiro de boné para trás se aproxima e também examina o local.

– E aí? A gente tira ele daí?

– Claro que não, porra! Tá todo mijado.

– Sei não, hein Nil… De repente tem jeito.

– Não, acho que esse daí já foi.

– Mas de repente a gente recupera ele, pô.

– É vagabundo. Deixa essa merda aí.

Nil aciona a descarga. O celular de Danton rodopia dentro do sanitário, mas obviamente não desce pelo encanamento.

– Vamo nessa! – Exclama Nil.

– Peraí, cara, ainda falta limpar a última cabine. – Alerta Pepe.

– Limpar o que, rapá? O que tu acha que vai ter lá dentro?

– Sei lá, cara. Nessa tinha um celular, na outra pode muito bem ter um aparelho de som.

Nil já está saindo do banheiro, e Pepe também vai embora sem verificar a cabine onde Danton está.

– Tu esqueceu a luz acesa. – Adverte Nil.

– É. – Ignora Pepe.

Àquela altura, as lojas já estavam todas fechadas, e a maioria dos corredores com as luzes apagadas. Danton acorda bem machucado e ainda zonzo. Ele se levanta da privada e vai até a pia para limpar o sangue que escorre pelo nariz. Mas a torneira estava com defeito. Agora, aquilo parecia uma afronta pessoal. Danton soca a pia e machuca a mão. Encarando-se no espelho, ele percebe um desenho feito com baton: um jacaré abocanha o pênis de um bonequinho. Seria aquilo um alerta ou premonição? Depois daquela noite de merda, isso não importava. Tudo o que ele queria agora era voltar pra casa e dormir.

Danton se dirige até a porta do banheiro e gira a maçaneta para tentar abri-la, mas percebe que está trancada. Aquilo já era demais:

– Ah não! Ah não! Alguém pode abrir essa merda! – Grita Danton por um tempo, sem sucesso.

Ele passa as mãos pelo cabelo e dá uma investigada ao redor para procurar outra saída. Nisso, Danton vê seu celular emborcado na privada. Cheio de nojo, ele retira o aparelho dali. A água escorre de dentro do celular, que está visivelmente escangalhado.

– Puta que o pariu… – Lamenta ele, devolvendo o celular de volta à privada.

Danton encara fixamente a porta do banheiro, num duelo psicológico. Após um instante de reflexão, ele parte com fúria e arremessa o seu corpo contra ela, que não move um milímetro. Caído no chão após a tentativa frustrada, Danton geme de dor. Ele se contorce durante um tempo, e novamente se levanta, pensativo. Depois de alguns minutos, consegue achar uma escova de limpar privada, nojenta, e arranca dela um pedaço de arame. Com delicadeza, Danton enfia o arame na fresta da fechadura. Após algum esforço, a porta finalmente se abre.

Quando Danton sai do banheiro, percebe que o shopping já tinha fechado há muito tempo. Os corredores escuros agora pareciam ameaçadores. Talvez fosse resultado de seu estado emocional ruim, mas aquele era um ambiente sinistro.

– Alguém! Alguém! – Grita Danton no escuro, procurando ajuda.

Nenhuma resposta.

– Ninguém.

Ele então continua andando à procura de algum funcionário que pudesse ajudá-lo a sair dali. No fim de um corredor, tenta forçar uma porta de saída do shopping, que está trancada. Alguém toca em seu ombro:

– O que você tá fazendo aí, moleque? – Pergunta Jorginho, um dos seguranças, estranhando a presença de Danton àquela hora.

– Tô querendo ir embora, cara. Ainda bem que te encontrei!

– O que tu tá fazendo aqui até agora?

– Eu tava no banheiro.

– Sei. Tava no banheiro até agora… – Desconfia Jorginho.

– Verdade, cara. Eu fiquei preso!

– Preso? No banheiro?

– Eu voltei ao banheiro porque tinha esquecido o celular. Me meteram a porrada. Quando eu acordei a porta estava tranc…

– O quê?! Tava fazendo arruaça aqui, moleque? – Interrompe o segurança, irritado.

– Olha só, cara. Eu tomei porrada no banheiro, acordei agora e tá tudo fechado. Eu só quero ir pra casa!

– Então tu tava arrumando confusão no banheiro?

– Não foi culpa minha! Eu só quero ir embora!

Jorginho pega o rádio e começa a falar com alguém:

– Chefe, tem um camarada aqui preso dentro do shopping. Ele tá dizendo que arrumou uma briga no banheiro.

– Não, cara! – Protesta Danton.

– E aí, libero o elemento? – Ignora Jorginho, ainda falando no rádio.

Pelo alto falante do aparelho, uma voz gutural responde:

– Traz o cidadão.

Jorginho então ordena:

– Vem comigo.

Danton acompanha Jorginho até a sala de segurança. Lá chegando, o chefe está esparramado em uma cadeira, mascando um clipe de metal retorcido. Ao seu lado, em pé, impávido, está o supervisor de segurança.

– Pega um café ali. – Ordena o chefe.

– Não, obrigado. – Responde Danton, sentando-se numa cadeira.

– É PRA MIM. – Afirma o chefe, elevando o tom.

Danton sente o clima pesado. Do outro lado da sala, ele vê uma cafeteira e caminha com cuidado até ela. Os demais observam calados. Nervoso, tenta colocar café em um copinho de plástico, mas se atrapalha todo. Finalmente, Danton consegue colocar a bebida no recipiente, mas logo percebe uma xícara grande com um nome impresso em letras garrafais: CHEFE. Ele então deixa o copinho de lado e se atrapalha mais uma vez, enchendo a xícara até a borda. Com todo o cuidado, Danton anda de volta até a mesa e se inclina, tremendo, para entregar a xícara.

– AÇÚCAR. – Adverte o chefe, olhando ameaçadoramente para Danton.

Danton nota que, ao lado da cafeteira, há uma mesinha com um açucareiro. Com o máximo de cuidado, ele desinclina-se da mesa e caminha até lá. Apoiando a xícara na mesa, Danton coloca uma colherada de açúcar. O chefe continua impávido. Coloca mais uma colher. O café aproxima-se perigosamente da borda. O chefe não move um músculo. Danton tenta mais uma colherada, e olha de novo para o chefe. Nada. Ele então enfia a colher no açucareiro, e deposita com cuidado mais açúcar na xícara. Dessa vez, o chefe acena positivamente. Quando Danton começa a se preparar para levar o café, o chefe faz mais um gesto: ele deve misturar o líquido. Com extremo cuidado, enfia a colher na xícara e a gira. O café não transborda, milagrosamente. Uma gota de suor escorre de sua testa. Danton levanta a xícara e começa a caminhar de volta. Mais uma vez inclina-se. Está tremendo de medo. Uma gota rompe a tensão superficial do líquido, escorre pela xícara, acumula-se no fundo e precipita-se em direção a uma pilha de papéis na mesa. Com a mão esquerda, ele apara a gota fervente, evitando uma tragédia. O chefe toma a xícara de sua mão, e sem tirar os olhos de Danton, dá dois grandes goles no café quente.

– Agora me conta essa história, direitinho.

[Continua: IV. Um Brinde à Messalina]

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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