IV. Missão cumprida
– Chefe? Tá na escuta?
Era Pedro, no celular. Zé Augusto atende, com esperanças de que aquele último golpe de mestre seria capaz de garantir a vitória.
– Tá cheio de porta-retrato aqui… Mas retiraram todas as imagens!
– Puta que o pariu, Pedrão… Que merda!
Silêncio constrangedor na linha. Meio sem jeito, o terceirizado continua:
– Tô todo molhado aqui, chefe… Posso ir pra casa me trocar?
– Vai na sala de serviço e pega um macacão com os faxineiros. – Responde Zé, resoluto. E continua: – Ainda posso precisar de você hoje.
Engolindo em seco, Pedro começa a guardar o celular no bolso, mas logo muda de ideia, com medo de danificar o aparelho na calça molhada. Ele então tenta arrastar a caixa de papelão, já toda arregaçada, de volta para o depósito, mas também desiste quando arranca um pedaço dela, sem querer, ao fazer força. Aquela merda ia ficar ali mesmo. Foda-se. Com medo de ser visto, Pedro sai pelos corredores, ouvindo o barulho de suas meias encharcadas em atrito com os sapatos molhados, o que o fazia se sentir ainda mais otário.
Na sala da coordenadoria de gestão estratégica, Zé Augusto acende outro cigarro. Antes de dar o primeiro trago, porém, ouviu o som do aplicativo de mensagens. Bruninha também tinha notícias.
“Uma das secretárias aqui descobriu o nome da loja.”
Zé aguarda ansioso enquanto o aparelho indica que Bruna estava digitando.
“Campeão dos quadros, aqui no centro”.
– Neuza, para tudo! Campeão dos Quadros, aqui no centro! Vai pra lá agora!
O resto da equipe se alivia com a interrupção daquele serviço insalubre. Neuza cata sua bolsa e sai pela porta com pressa. Zé enfim tecla de volta para Bruna:
“Muito bom, Bruninha. Alguém do Gabinete já saiu pra loja?”
“Ainda não, chefe… O contínuo tá aqui recebendo as ordens”.
“Ok. Quando ele sair, vá atrás do garoto e tente atrasá-lo”.
“Combinado, chefe”.
Bruna sai da sala de Melissa para seguir o rapaz, conforme o combinado, despertando a suspeita das secretárias.
– E o resto dos despachos? – Questiona Bia, assistente de Melissa.
– Anexa e manda pra filial. – Responde Bruna apressada, já saindo do Gabinete.
Enquanto isso, Zé Augusto finalmente consegue fumar seu cigarro, mas não estava em paz. Suas esperanças agora estavam com Neuza. Por desencargo de consciência, resolve ligar para João.
– Alô? João? Descobriram alguma coisa na TI?
– Nada, chefe. Esses caras não sabem nem que dia é hoje…
– Mas conseguiram recuperar as imagens da câmera de segurança?
– Não. Parece que o backup é só de três meses… Agora chamaram um cara pra tentar resgatar os arquivos deletados do HD, mas ninguém sabe em qual deles as imagens eram armazenadas. Tão perdidos que nem filho da puta em dia dos pais.
Zé registra as palavras de João. Se, por um lado, era um alívio, pois definitivamente retirava Paulo Cesar do páreo, por outro era menos uma chance dele mesmo conseguir a informação.
– Ok João. Continue monitorando, e se tiver qualquer novidade você…
Zé nem termina de falar quando percebe uma ligação de Neuza na espera. Ele atende a secretária rapidamente, que já tem as informações:
– Chefe, tem pelo menos uns quinze porta-retratos com fotos de cachorro aqui… A loja é imensa!
– Compre todos, Neuza! Compre todos!
Neuza sabia que aquela conta sairia cara, mas confiava cegamente em Zé Augusto. Assim que o chefe virasse diretor, ele certamente teria algo especial reservado pra ela.
Zé joga outra guimba pela janela e começa a andar pela sala, de um lado para o outro. Pedro tinha acabado de voltar. Para surpresa do resto da equipe, estava vestido como um faxineiro, provocando o sorriso debochado de alguns. Com a cara amarrada, ele se senta na cadeira de sua baia e liga o computador, sem nem olhar direito para o chefe.
De volta ao aquário, Zé Augusto começa a refletir sobre o que tinha em mãos. Neuza traria os porta-retratos, mas como ter certeza de que algum deles tinha a foto do cachorro certo? O idiota do PC certamente não ia conseguir recuperar nenhuma imagem da sala do chefe. O pensamento de Zé vagava pelas lembranças das muitas vezes em que tinha papagaiado o Grande Líder naquele salão imperial. Momentos marcantes, como quando saiu a publicação do decreto de recondução. Reuniões longuíssimas, onde ele tinha conseguido se sobressair às custas da incompetência geral. Mas também memórias inconvenientes das humilhações por que tinha passado, que ele fazia questão de soterrar. Festas de aniversário do presidente, quando suas técnicas de puxação de saco chegavam ao requinte supremo. Peraí… Festas de aniversário! Era isso! Com certeza ele tinha alguma foto desses eventos, onde aquela bosta de cachorro devia aparecer.
Com agilidade, Zé acessa a pasta do computador em que mantinha rigorosamente arquivados as imagens de cada parabéns, de cada presente caro, de cada bolo luxuosamente decorado. Touché! Numa festa de cinco anos atrás, estava lá o porta-retrato ao fundo, meio desfocado, numa foto em que o próprio Zé aparecia com o rosto cortado, tentando se juntar ao time de executivos do primeiro escalão da época, que se alinhava sorridente ao lado do eterno presidente.
A imagem tinha pouca qualidade, mas dava pra reconhecer facilmente a raça do cão. Era um sabujo.
Exultante de alegria, Zé rapidamente aplica um zoom na foto e manda imprimir uma cópia colorida em 1000 dpis. Ele aguarda ansioso a impressora cuspir o papel, e sai da sala como um raio, sem dar bola para Neuza, que retornava naquele mesmo instante com uma sacola cheia de porta-retratos.
Já no andar de cima, Zé pede uma audiência de emergência com o Líder Supremo. A secretária passa o recado, mas ele acaba tendo que esperar mais um tempo. O entregador de comida tinha chegado um pouco depois dele, e o Boss daria preferência à refeição, afinal saco vazio não parava em pé. Somente naquele momento Zé se deu conta de que também não tinha almoçado.
Cerca de uma hora depois, o presidente aparece na porta da sala.
– O que foi, Zé?
Com toda a pompa e circunstância, Zé Augusto se levanta do sofá na recepção e caminha na direção do chefe, para quem entrega um envelope, sem dizer nada. O presidente logo entende o recado, e retira de dentro o papel impresso com a bendita foto do cachorro.
– Não estou surpreso, Zé. Muito bom trabalho. – Diz o Grande Líder dando um tapinha no ombro do subalterno, antes de fechar a porta.
A indicação estava no papo.