IV. Serial Killing
Emil entra em casa no mesmo momento em que sua mãe é empurrada violentamente contra uma parede. Seu padrasto está gritando como um louco, e os dois adultos nem parecem ligar para a chegada do menino, que também passa reto em direção à cozinha. A TV estava ligada, mas ninguém por ali deu atenção à chamada jornalística que já tratava de forma sensacionalista o massacre ocorrido no colégio municipal.
Naquela noite não havia nada para comer. Normalmente, o garoto se virava com o resto das refeições dos outros, ou mesmo fritando ovos, quando ainda restavam alguns. Tinha passado o dia inteiro em jejum, pois saíra de casa sem tomar café da manhã, e por motivos óbvios também não se alimentara na escola. De forma geral, o menino evitava sair pra rua à noite, mas agora a situação era bem diferente.
Sem avisar ninguém, Emil resolve ir até a padaria que ficava a alguns quarteirões de sua casa. Levou a mochila com ele, pois conhecia os riscos. Assim que passou pela primeira esquina, ficou aliviado por não dar de cara com o bando de vagabundos que marcava ponto por ali todas as noites. Continuou caminhando rápido, mas infelizmente aquela impressão inicial não se confirmou. Do outro lado da rua, percebeu que alguém estava gritando em sua direção.
– Ei, moleque! Vem aqui!
Era um daqueles vadios, que já corria para atravessar a rua. Emil logo percebeu que ele estava sozinho, e pensou rapidamente no que fazer. Numa situação daquela, normalmente ele tentava correr para casa, mas quase sempre era alcançado, o que resultava em uma sequência de agressões e outras humilhações. Dessa vez, no entanto, ele se sentia protegido. O coração estava acelerado, mas ele andou calmamente para dentro de um beco escuro no mesmo lado da calçada, ao mesmo tempo em que abria a mochila para pegar seu anjo da guarda metalizado.
– Quer brincar de esconde-esconde, moleque? – gritou o rapaz, enquanto já procurava o garoto em meio às sombras do local.
Emil estava no fundo do beco, segurando a pistola com as duas mãos. Quando finalmente percebeu aquela cena insólita, o jovem pareceu não acreditar no perigo:
– Pensa que vai me assustar com essa arma de brinquedo? – disse o rapaz, enquanto continuava andando até onde estava o garoto.
O menino não esperou muito para dar o primeiro tiro. Dessa vez, porém, tinha errado o alvo. Estava bem escuro. O jovem delinquente congelou por um segundo, ao perceber que a pistola era de verdade.
– Você tá maluco, moleque?! Me dá essa porra aqui! – gritou avançando na direção de Emil, já tomado pelo medo.
O segundo tiro acertou em cheio a barriga do rapaz, que olhou para o menino com uma expressão aterrorizada enquanto tentava estancar o sangramento com as mãos. Alguns gritos já podiam ser escutados nas redondezas. O jovem então caiu de joelhos, e Emil não hesitou em disparar mais um tiro à queima-roupa, antes de guardar a arma de volta na mochila e sair apressado do local.
Por instinto, o menino inicialmente começou a correr para casa, mas a fome realmente era demais. Afrouxando os passos, resolveu dar a volta no quarteirão para chegar à padaria. Alguns minutos depois, quando entrou no estabelecimento, Emil percebeu que uma pequena multidão já se reunia perto do beco, que se localizava a poucos metros dali. Na pequena lanchonete, estavam apenas o dono, que também atendia dois clientes tomando cerveja em uma mesa, e a funcionária antipática que trabalhava no caixa, além de um senhor de meia idade que ele conhecia bem. O sujeito era obreiro de igreja, missionário ou algo do gênero. Um homem asqueroso, manco de uma perna, que mantinha um “projeto social” na comunidade e já tinha feito coisas bem ruins para ele e outras crianças da escola.
Como não tinha dinheiro, Emil ficou rondando as vitrines da padaria, na esperança de que o dono lhe oferecesse alguma coisa. Mas todos por ali pareciam excitados demais com a ocorrência no beco. Quando a polícia chegou no local, o estabelecimento já estava praticamente vazio. Da moça do caixa, a única que permanecia no local, ele não esperava nada. Quando já tinha desistido e tomava o rumo de casa, Emil percebeu que o aleijado estava acompanhando seus passos de perto.
– Está com fome, garotinho? – disse o sujeito, apertando o passo torto para alcançá-lo.
Ele realmente não gostava daquele perneta, mas estava com fome, muita fome. Acenando positivamente com a cabeça, Emil decide acompanhá-lo até a casa onde funcionava o tal projeto social. Andaram por alguns quarteirões, e o menino teve a certeza de que o homem dava algumas voltas desnecessárias para despistar os passantes, de forma a não ser visto acompanhado de uma criança àquela hora.
Quando entraram no casarão velho, o senhor manco trancou a porta e acariciou os cabelos do menino. Emil sabia perfeitamente o que ele estava planejando, mas não se precipitou. O sujeito então o levou para a cozinha do local, onde o garoto pode saciar sua fome. Há muito tempo não comia um sanduíche de pão de forma, com direito a queijo e presunto, acompanhado de refrigerante. Quando o homem deixou Emil sozinho por alguns instantes, o menino colocou a mão para dentro da mochila e agarrou a pistola, ainda escondida.
O tarado de meia idade voltou usando apenas uma cueca, e parou na porta da cozinha observando o garoto terminar a refeição. Mas o sorriso malicioso logo foi substituído por um rosto contorcido de pavor quando Emil apontou a arma. O maldito pedófilo só teve tempo de se virar para tentar fugir dali, antes de ser atingido por um tiro pelas costas, caindo estirado no chão.
Aquele verme nunca mais faria mal a uma criança.