IV. Um Brinde à Messalina

IV. Um Brinde à Messalina

[Antes: III. O Café do Chefe]

– Eu acordei no banheiro todo machucado… – Danton começa a explicar, mas logo é interrompido pelo chefe:

– Desde o início.

– Quando eu cheguei no banheiro, tinham três caras falando no meu celular…

O chefe balança a cabeça, não satisfeito.

– Tá bom, cara. Eu esqueci o meu celular no banheiro…

O chefe mais uma vez desaprova a narrativa, com uma expressão impaciente. Danton olha para os lados, sem saber o que fazer, antes de tentar novamente:

– Eu tenho um amigo que se amarra em Coca-Cola.

O chefe finalmente se interessa pela história, e escuta com atenção toda o relato de Danton sobre aquela noite maldita. As conversas com Davi, o fora que levou da namorada, a surra no banheiro.

– E foi aí que esse cara me encontrou tentando sair. – Conclui Danton, indicando Jorginho.

O chefe dá seu último gole no café, satisfeito. Mais calmo, Danton implora:

– Eu só quero voltar pra casa!

Jorginho e o chefe então acompanham Danton até uma porta de saída do shopping. Quando passam em frente a uma joalheria, ele percebe que um homem usando turbante está montando guarda em frente à loja. O chefe troca algumas palavras com o sujeito, numa língua desconhecida. Curioso, Danton se aproxima da vitrine, onde está exposta uma joia enorme, azul, extremamente brilhante. O chefe o repreende com os olhos, e ele se afasta. Os três continuam o caminho em direção à saída do shopping.

No fim do corredor, o chefe enfia a chave em uma das portas. A fechadura dá uma emperrada, o chefe faz força, mas a porta não abre. Ele força ainda mais e acaba quebrando a chave. Irritado, o chefe olha para a chave quebrada. Jorginho se antecipa:

– Quer que eu pegue outra chave, chefe?

– Não. Fica aí com ele.

O chefe se afasta, deixando Danton um pouco tenso com a situação. Sair daquele shopping parecia cada vez mais difícil. Depois de aguardar um tempo ao lado de Jorginho, ele percebe movimento em uma loja próxima. Danton resolve dar uma olhada mais de perto, pensando em arrumar outra saída.

– Ei, moleque. O chefe mandou você ficar aqui. – Adverte Jorginho.

– Eu preciso ir ao banheiro. – Mente Danton.

– Ao banheiro? De novo?

– Eu tô apertado!

– Então deixa aqui comigo os seus documentos.

Danton se vê obrigado a sustentar a história. Entrega a carteira para Jorginho e sai em direção à loja em que percebera a movimentação. Que se foda a carteira. Sair dali era mais importante. As luzes acesas vinham de uma pizzaria. Ele se aproxima do local, mas não vê ninguém. A porta estava aberta. Danton entra no restaurante e vê o salão vazio. Pela escotilha da cozinha, ele vê Arnaldo fazendo força com as duas mãos, como se estivesse esganando alguém. Danton também ouve um barulho de engasgos, e começa a se assustar. O dono da pizzaria então o vê, para o que está fazendo e fixa o olhar em Danton. Ele dá um passo para trás e tropeça numa cadeira.

– Tá assustado, rapaz? – Questiona Arnaldo, com a voz meio arrastada.

– Eu? Eu não…

O dono da pizzaria sai da cozinha com um copo e uma faca, secando as mãos em um pano. Ele dá a volta e alcança o lado interno do balcão, se aproximando de Danton.

– Pois devia. Esse shopping de madrugada é pavoroso. Pega um rum ali. – Pede Arnaldo.

– Não, obrig… – Antes de concluir, Danton se corrige: – É pra você?

– Prefere a sua com vodka ou rum? – Pergunta Arnaldo.

– A sua o quê?

– Caipirinha. Por conta da casa.

– Não, obrigado. Eu só quero arrumar um jeito de ir pra casa.

Arnaldo continua a preparar sua bebida, cortando um limão com maestria. Danton pega a garrafa de rum e entrega para o homem.

– Então você quer ir para casa. Todos nós queremos, rapaz. O lar de um homem é o seu porto seguro. Quando nada mais dá certo, é lá que ele vai encontrar uma mulher saudosa e a prole feliz. – Discursa Arnaldo, completando seu copo com rum.

– É sério. Eu dormi no banheiro e agora fecharam as portas do shopping.

– Pra mim as portas já estão fechadas há muito tempo. Mas conta pra mim, qual o nome dela?

– Dela quem? – Pergunta Danton, confuso.

– Da mulher, rapaz. Da mulher. Essa expressão no teu rosto não me engana.

– Então, é mais ou menos isso. Eu briguei com a minha namorada hoje.

– Ahá! Não disse? Por trás de um homem entristecido há sempre uma mulher vingativa!

– Mas não é por isso que eu tô aqui. É que eu fiquei preso no banheiro.

– Mulheres, rapaz… Mulheres devem ser tratadas com desdém. São todas umas vagabundas. Exceto minha mãe. Minha mãe, não! – Exalta-se Arnaldo, antes de concluir: – Que meu pai não diria o mesmo!

– Você tá coberto de razão. Tem um telefone aí pra eu ligar pra minha mãe agora?

– A mãe é o antídoto no jardim das víboras! – Ignora Arnaldo, continuando com suas lamentações: – Relaxa, rapaz. Vamos fazer um brinde à Messalina!

– Não tô a fim de beber, não. – Olhando para a porta externa da pizzaria, Danton pergunta: – Essa porta dá acesso ao estacionamento?

Arnaldo confirma com um gesto, tomando o resto de sua bebida num gole só. Danton se anima:

– Boa! Eu vou buscar minha carteira com os seguranças e já volto. Não vai embora não, hein?

Danton sai da pizzaria, enquanto Arnaldo prepara mais um trago. Ele anda pelo corredor até a porta onde estava Jorginho, mas nota que o segurança não está mais ali. Danton aguarda um pouco, sentado em um banco. Nada. Resolve procurar. No caminho de volta à sala de segurança, ele percebe sons e luzes acesas vindas de uma loja de fast food. Quando chega perto de uma porta, Danton escuta o som de música alta. Curioso, ele se aproxima e abre a porta. Dentro de uma sala da lanchonete, Nil e Pepe estão fazendo a maior algazarra, bebendo cerveja, arrotando, comendo restos de sanduíche e ouvindo funk. Os dois faxineiros notam sua presença e olham para Danton, parando o que estavam fazendo, de boca cheia. A música também para.

– Desculpa aí ter interrompido alguma coisa. Já tô de saída. – Diz Danton, percebendo que não é bem-vindo. Quando ele fecha a porta, a algazarra continua e o som volta a tocar.

De volta ao corredor, Danton passa novamente pela joalheria, e tenta se comunicar com o homem de turbante:

– Pô, cara. Sabe aquele segurança que tava conversando contigo? Então, eles pegaram a minha carteira, e eu não sei aonde eles foram. Tu deve tá achando estranho, né? Eu vou te explicar. Sem querer, eu fiquei trancado no banheiro e o shopping fechou. Aí aquele guardinha me levou pra falar com o chefe de segurança, que ia abrir a porta pra mim. Ele já tava abrindo, mas a chave quebrou. Aí ele foi buscar outra chave e eu vi que ainda tinha uma pizzaria aberta. É, tem um maluco ali que ainda tá com a loja aberta! E o restaurante do cara tem uma saída pra fora do shopping. Mas aí eu não pude sair porque tinha deixado a carteira com o guarda. Quando eu voltei pra pegar, o cara sumiu. Tu viu ele passando por aqui?

– Não compreendo você. – Responde o homem, lacônico.

– Não me compreende… Porra. – Danton pensa um pouco, e arrisca um inglês meia boca:

– You… You know where ‘guard’ go?

– I don’t understand you.

– You don’t… Hmmmm… Tá bom, peraí… – Danton não desiste: – Est que je… je vou! securité… Foi… Como é “foi” em francês? Allé! Est que vou securité allé?

– Je ne vous comprend pas.

– Também não entende francês… – Danton se irrita: – Tu só fala a porra daquela língua, né filho da puta?

– Não compreendo você.

Danton desiste e se afasta dali. Tentar falar com aquele sujeito era perda de tempo. E aquele shopping de madrugada era realmente pavoroso.

De volta à sala de segurança, ele percebe que ninguém está lá no momento. Resolve então dar uma espiada para ver se encontra sua carteira. Revira algumas gavetas, abre alguns arquivos e encontra coisas bizarras: uma palmatória, um soco inglês, um chicote e um álbum de fotografias com imagens de pessoas machucadas, com a indicação dos pequenos delitos cometidos, como o furto de uma barra de chocolates nas Lojas Americanas. Assustado, ele olha para os monitores e percebe que Jorginho e o chefe estão voltando para a sala de segurança. Danton vê uma porta aberta e se esconde ali.

Danton entra no recinto e acende a luz. É um banheiro. Lá de dentro, ele escuta a voz do chefe, que acabou de chegar à sala:

– Cinco minutos. Você tem cinco minutos pra trazer aquele moleque pra mim.

– Mas eu já te falei, chefe. Ele disse que ia ao banheiro e não voltou mais!

– Não me interessa. Cinco minutos.

– O que a gente vai fazer com ele?

– Ainda não sei.

– A rosca chinesa? – Pergunta Jorginho, se animando.

– É muito para o caso. Acho que um sossega palhaço resolve.

– Então pode deixar que eu acho o safado logo!

Jorginho sai da sala. Pelo buraco da fechadura, Danton acompanha o chefe de segurança se esparramando em sua cadeira. Depois de algum tempo, o chefe se levanta e começa a se dirigir ao banheiro. Danton fica alarmado! Sem muito tempo para pensar, ele entra no box do chuveiro e fecha a cortina, de onde fica espiando. O chefe abre a porta do banheiro e toca o interruptor, apagando a luz. Se intriga. Toca de novo o interruptor e acende a luz. O chefe abaixa as calças e senta na privada, assobiando e iniciando os procedimentos para cagar. Danton assiste a tudo por uma fresta da cortina, quando nota, com horror, que o papel higiênico pendurado ao lado da privada terminou, e que o box servia justamente como depósito para este tipo de material!

Literalmente, aquela situação era uma grande cagada.

[Continua: V. Femme Fatale]

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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