IX. Depois do Shopping

IX. Depois do Shopping

[Antes: VIII. Pausa para Retrato]

Assustado, Danton nem tem tempo de correr. Toma um violento soco na cara que o arremessa pela porta da lixeira adentro. Caindo grogue em meio aos sacos de lixo, com a visão embaçada, ele vê Duda se aproximando aos poucos, já com o taco de baseball na mão. Desesperado, Danton se atira mais uma vez pela rampa da lixeira.

Ainda atordoado, ele cai novamente na caixa de coleta. Ao seu lado, está o homem de turbante desmaiado, com o rosto todo ensanguentado, no meio do lixo. Danton se assusta e sai afobado dali. Porém, antes de deixar o recinto, arrasta o coletor para o lado, para que Duda se arrebente caso tente segui-lo pela rampa. Dito e feito. Enquanto segue pela galeria de serviço, Danton ouve o som do ladrão se esborrachando no chão. Conhecendo o terreno, ele sobe as escadarias, abre a porta de ferro e sai na área de diversões.

Danton foge por um corredor escuro, entre brinquedos. No local, uma máquina faz um barulho estranho. Duda, mancando, também entra no corredor. Danton sai pelo lado oposto, e escuta um grito horrível do ladrão. Intrigado, ele espera para ver o que houve. O barulho aumenta. Assustado, Danton dá um passo para trás. Da escuridão, sai uma máquina empilhadeira com Nil e Pepe no comando. O corpo de Duda está pendurado na garra frontal, desacordado.

Danton fica aliviado. Nil e Pepe estão sérios, e batem continência como se estivessem completando uma missão.

– Fala meu parceiro! A gente também passou na sala de segurança e apagou aquela sua imagem roubando a joalheria. Pode ir tranquilo! – Exclama Pepe.

– É melhor tu vazar daqui, amigo. O shopping já vai abrir. – Completa Nil.

Agradecido, Danton sorri para os faxineiros, sem dizer palavra alguma. Ele sai apressado da área de diversões e volta aos corredores do shopping. Passando pelos mesmos locais que o atormentaram durante toda a madrugada, Danton procura por uma porta aberta. Do lado de fora, ele percebe que o dia já está amanhecendo.

Sem encontrar nenhuma saída disponível, Danton chega ao fim do corredor central. Ele chuta, esmurra a porta e grita por ajuda, mas ninguém o escuta. Cansado, percebe a aproximação do último encapuzado. Agora não havia mais saída. Estava encurralado entre lojas fechadas. Fred retira o capuz e ergue seu taco de baseball, se aproximando devagar:

– Eu não acredito. Que coisa, hein mermão? Fugiu, fugiu, mas acabou na minha mão.

– É verdade. Mas eu dei o meu melhor. – Responde Danton, com convicção.

– Pois é. Mas o teu melhor não foi bom o bastante.

– Peraí, cara! Eu caí de paraquedas nessa história! Eu só atrapalhei o seu plano porque vocês me deixaram desmaiado no banheiro!

– É isso. Tem dias que a gente deixa o celular no lugar errado e vai buscar na hora errada.

– Então a gente faz o seguinte: eu te devolvo a joia e tu me deixa ir embora. Tá certo? Eu só quero ir pra casa.

– Sim, a joia. Me dá.

– Está num lugar seguro. – Arrisca Danton, um pouco hesitante.

– Então tu vai apanhando até o lugar seguro. – Irrita-se Fred.

– Brincadeira, cara. Tá aqui comigo. – Admite Danton.

Danton retira a sacola do bolso e a joga para Fred. Ele enfia a mão para pegar a joia, mas o que vem é uma calcinha. Fred fica muito puto, e ameaça:

– Aí, mermão! Tá me achando com cara de babaca?

Ainda mais nervoso, Danton começa a vasculhar os bolsos. Surpreso, ele percebe que a joia não está mais em sua posse:

– Aí… Ninguém vai acreditar.

Fred começa a se aproximar, com o taco em riste.

– Peraí cara, vamos conversar. Deve ter caído em algum lugar. – Pede Danton.

O ladrão ignora a desculpa e continua caminhando na direção de Danton, que suplica:

– Eu te ajudo a procurar!

O líder do bando já estava a um passo de espancar Danton, que se encolhe junto à porta, gritando:

– Socorro! Socorro!

Revoltado com aquela atitude covarde, Fred se enfurece:

– Socorro? Tu tá maluco, filho da puta? Quem tu acha que vai te ajudar agora?

Àquela altura, Danton se encontrava em posição fetal, de olhos fechados, aguardando o pior. O ladrão continua:

– O chefe de segurança?

Impossível. O negão estava desacordado, ao lado do elevador.

– Aquele guardinha de merda?

Sem chance. Jorginho também tinha sido nocauteado, no andar de cima.

– Os dois vagabundos?

Até poderia ser, se Nil e Pepe não estivessem dormindo confortavelmente numa loja de colchões, naquele mesmo momento.

– Quem mais, porra? O cara de turbante?

No way. O sujeito estava desmaiado numa lixeira.

– O supervisor?

Danton abre os olhos, com esperança.

– O supervisor???!!! – Fred se preocupa. De fato, ninguém sabia onde se encontrava o mais discreto funcionário do shopping.

Pois ele estava ali mesmo. Com sua pistola na mão, impecavelmente vestido, o supervisor de segurança abre a porta do shopping. Imediatamente, Fred larga o taco de baseball e levanta as mãos, rendido. Danton também se levanta, e repete o gesto de Fred. O supervisor estranha a atitude e gesticula para que ele saia dali.

Danton entende que finalmente estava livre daquele martírio, e sorri agradecido. O supervisor lhe devolve o sorriso. Danton bate uma continência para o supervisor, outra para Fred, e atravessa a porta, saindo do shopping.

A luz da manhã banha Danton, que aproveita o vento no rosto em liberdade, caminhando pelo estacionamento quase vazio. Apesar de se encontrar em farrapos, ele estava feliz. Depois de alguns segundos, um carro conversível para ao seu lado. É Gabrielle, roncando o motor. Danton sorri e pula no banco do carona do carro, que arranca.

– Você é louco(a)! – Eles exclamam ao mesmo tempo, e começam a rir.

Gabrielle dirige em direção à saída. Com ironia, Danton comenta:

– Você se atrasou trinta segundos.

– Não mesmo. O meu relógio tá sempre adiantado.

Danton e Gabrielle se entreolham, cúmplices.

– Pra onde a gente vai agora? – Pergunta Danton.

Ela sorri enigmática, e provoca:

– Acho que tenho de voltar ao shopping.

– Hã?! – Estranha Danton, rejeitando a ideia.

Gabrielle retira algo do sutiã e joga para Danton. É o Coração do Oceano. Ele pega a joia, assustado. Ela explica a piada:

– Preciso comprar uma calcinha.

Danton se alivia. O carro cruza o estacionamento do shopping. Quando passam por uma poça, os pingos de lama sujam a roupa de Dani, que está chegando ao local para trabalhar.

– Deixa isso pra amanhã. – Sugere Danton.

– Hã?! – Dessa vez é Gabrielle quem estranha a sugestão.

– A calcinha. Deixa pra comprar amanhã.

Quando eles atravessam a guarita do shopping, os carros de polícia começam a chegar ao local.

– Amanhã? Depende do que a gente vai fazer hoje. – Rebate Gabrielle.

– Então com certeza vamos deixar isso pra amanhã mesmo.

– A gente podia pegar um cineminha. Soube de um filme ótimo que tá passando.

– Pode ser.

– Quem sabe?

– Quem sabe???

– É. Quem sabe… Depois do Shopping.

Após uma pausa, Danton retruca:

– Peraí Gabrielle. Nós dois sabemos muito bem qual é a coisa certa a fazer com essa joia.

– Claro. Viajar pro Brazil!

– Não. Muito melhor que isso.

– Contratar o Sodapop pra tocar na minha festa de aniversário!

– Também não.

– Já sei. Nunca mais trabalhar!

– Nada disso. A gente vai devolver essa joia pra polícia! – Diz Danton, sorrindo.

Os dois se entreolham novamente, e começam a gargalhar.

FIM

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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