O Bolo e Queijo II
O Filme é O Bolo e Queijo II. A continuação do clássico da Demian dividiu opiniões, mas filmes são como são. O destino não pode ser mudado, seja governado pelo acaso ou pela providência. Como teria que ser, sempre que o botão de Play é acionado, a mesmíssima sequência de eventos fatalmente se desenrola na tela como uma profecia eterna e imutável. No caso desse filme em particular, os fatos se desenrolam assim:
Muitos anos se passaram desde que, graças à decisão de uma simples barata, Matias Pereira se tornou prefeito de Lavradouros. A desistência do matador Rufião Tenório deu origem a uma longa liderança política de Matias e provocou o ocaso da dinastia local do Coronel Porfírio. Desgostoso e falido, Porfírio se entrega à cachaça e vive como alma penada até descobrir por acaso o paradeiro de Rufião Tenório, o homem cuja traição deu cabo de seu império.
Rufião voltava da lavoura para a casinha simples de seu sítio quando deparou-se com Porfírio sentado à cabeceira da mesa, a espingarda apoiada sobre o tampo, apontada diretamente para o peito de sua esposa. Com o dedo trêmulo no gatilho, o coronel decadente admite não ter mais o poder e o dinheiro de outrora, mas argumenta ainda ter o bastante para que um matador aposentado não tenha chance de livrar-se de um compromisso não cumprido. Para Rufião só há uma escapatória: conquistar por direito a paz que havia roubado do coronel. Para isso ele terá que terminar o serviço pelo qual foi pago 25 anos antes.
Rufião limpa sua velha winchester, lembrando dos homens que matou e do único que deixou escapar, então parte para Lavradouros. Lá chegando, encontra um morro pedregoso próximo à casa de Matias. Pela janela ele vê seu velho alvo comendo queijo e, sem perder tempo dispara, mas sua vista já não é mais a mesma e a bala apenas faz mais um buraco no queijo curado de Matias.
Sobressaltado e já treinado pelas inúmeras tentativas de assassinato que sofreu ao longo dos anos, Matias atira-se no chão e rasteja até a cozinha, queixando-se consigo mesmo por estar velho para esse tipo de coisa. Ao dar um espiada pela janela, ele vê o clarão de um novo disparo entre as pedras e esquiva-se rapidamente enquanto os cacos de vidro lhe cortam o rosto.
Matias vai até o fundo do cômodo, sobe no fogão à lenha ainda aceso sapateando para não ter os pés queimados e sobe pelo alçapão no forro do telheiro, onde encontra sua carabina. Ao lado da chaminé, uma das telhas soltas que já lhe davam problemas há tempos agora seria sua salvação. Desprendendo-a, Matias pode ver a cabeça do matador entre as pedras sob a luz da lua cheia. Caprichando na mira, espreme o gatilho e, após do estopim, escuta o gemido de Rufião ao ser atingido.
Ferido na mão pelos fragmentos da bala de Matias, que ricocheteou na pedra, Rufião não se dá por vencido. Rasteja pelo chão poeirento até outro ponto. Tira seu velho chapéu negro para enxugar o suor da testa, depois joga-o sobre a ponta da bota e reposiciona a arma, apoiando-a sobre o antebraço, procurando por Matias.
Ao ver Rufião ressurgir na tocaia, Matias dispara novamente, dessa vez com um tiro certeiro no topo da cabeça. Rufião treme de dor quando o tiro de Matias atravessa seu pé esquerdo, que suspendia o chapéu acima da pedra, mas resiste e dispara diretamente no ponto do telhado de onde viu o disparo ser feito. A bala passa pela pequena fresta deixada pela telha quebrada e arranca a orelha de Matias.
Com um apito agudo perturbando-lhe os sentidos, Matias decide esperar até que Rufião apareça, mas não atira, para dar ao oponente a ilusão de tê-lo vencido.
Dito e feito. Depois de levantar a cabeça uma ou duas vezes sem que o outro disparasse, Rufião conclui que Matias está morto, mas precisa certificar-se. Ansioso para se ver livre daquele inferno de uma vez por todas, o velho matador se arrisca caminhando de peito aberto em direção à casa.
É a chance que Matias esperava. Quando Rufião chega a meia distância da casa, Matias chuta a porta da frente e dá-lhe um tiro de espingarda.
Atingido no abdome, Rufião ruge como um leão. Vendo sua vida de fazendeiro escapar entre seus dedos, incrédulo por ter sido arrastado de volta àquela vida, não pode evitar pensar que seu destino o havia alcançado após 25 anos de fuga. No entanto, ao pensar na esposa e filhos, algo dentro dele o faz se levantar e abrir fogo contra o oponente.
Incrédulo com a resistência do jagunço que havia sido enviado desta vez para matá-lo, Matias sente o sangue molhar sua perna. Caído no chão da varanda, ele leva a mão ao bolso onde está sua última bala. Trêmulo, tenta inserir a munição na fenda mas, desta vez, apenas esta, a bala escapa entre seus dedos.
Diferente do que o roteiro do destino escreveu, diferente do que foi registrado nas câmeras no sexto dia de filmagem e que depois foi editado e masterizado, diferente do que as platéias viram acontecer inúmeras vezes numa história contada por luz em sobras, Matias não conseguiu colocar a bala na arma para, no último instante dar a Rufião Tenório o fim trágico que sua história prescrevia. A bala, contra a lei da repetição, escapou por um fio de suas mãos e rolou pelo chão.
Depois de ser atingido no peito e sentir seu próprio coração parar, Matias, com o rosto colado ao chão, viu a bala que poderia tê-lo salvo caída entre os pedriscos e, sobre ela, uma barata que movia suas antenas enquanto parecia olhá-lo nos olhos como se olha nos olhos do inimigo após uma vingança há muito aguardada.