V. Femme Fatale

V. Femme Fatale

[Antes: IV. Um Brinde à Messalina]

Depois de satisfazer suas necessidades, o chefe olha para o papel higiênico e percebe, com irritação, que o rolo chegou ao fim. De dentro do box, Danton estica a mão para a fora e coloca discretamente um novo rolo em cima de um cesto ao lado da privada. O chefe se refaz da irritação, mas quando vai se levantar em direção ao box, percebe o rolo novinho em cima do cesto. Ele estranha um pouco, mas acaba ficando satisfeito. O chefe então se limpa, coloca as calças, lava as mãos e sai do banheiro meio desconfiado, apagando a luz. No escuro, Danton respira aliviado.

Após alguns instantes, Danton sai do box e já está em direção à porta quando nota a maçaneta sendo acionada. O chefe entra novamente no banheiro e acende a luz, mas Danton já está de volta ao box do chuveiro, rápido como um gato. Encolhido de medo, ele reza em silêncio para não ser descoberto. De dentro do box, Danton ouve o acionar da descarga. Ufa! Era isso que o chefe tinha esquecido. A luz se apaga novamente.

Dessa vez, Danton espera bastante até ganhar confiança para espiar novamente pelo buraco da fechadura. O chefe está refastelado em sua cadeira, como de costume, analisando os monitores.  Parece que não há saída, mas Danton tem uma ideia: ele liga o chuveiro e se esconde atrás da porta do banheiro. Quando o chefe escuta o barulho, fica intrigado e volta rapidamente para o recinto, caminhando em direção ao box do chuveiro. É o suficiente para que Danton saia sorrateiramente sem ser percebido.

Danton foge da sala de segurança e ganha os corredores. Naquele momento, nem pensava mais em reaver sua carteira. O importante era sair daquele inferno o mais rápido possível. Ele volta para a pizzaria apressado, e vê Arnaldo tomando as bebidas direto do gargalo.

– E então, amigo, será que você pode abrir aquela porta pra mim? – Suplica Danton.

– O quê? – Responde Arnaldo, visivelmente grogue, tropeçando nas próprias pernas.

– A porta, lembra? Eu preciso ir pra casa!

– O quê? – Repete Arnaldo, sem entender nada.

– Olha aqui, meu senhor! Minha situação tá começando a complicar aqui dentro! Eu só quero ir pra casa! Onde estão as chaves?

– Chaves?

– Isso! As chaves da porta! Dessa porta aqui! – Danton bate nervosamente na porta que leva ao estacionamento.

– Ah! O garoto que tomou um pé na bunda! Não liga não, rapaaaz! Vem tomar um trago aqui comigo!

– Olha aqui, tio! Eu não quero beber não! Diz pra mim onde tão as chaves dessa porta, por favor!

– Chaves?

– É! As chaves dessa porta aqui! Por favor!

– Acho que tão na cozinha, sei lá…

Danton entra na cozinha da pizzaria. Procura pelas gavetas, enquanto Arnaldo continua a se embebedar. Em todos os locais, Danton só vê facas, facas e mais facas, de todos os tipos e nacionalidades. Pela escotilha, ele vê o dono da pizzaria ainda se lamuriando, recitando tropegamente palavras amargas sobre amores perdidos. Após algum tempo de procura, Danton desiste da chave e do pobre homem, que não está mais em condições de falar qualquer coisa. Entretido com seus drinques e sua poesia de corno, Arnaldo nem percebe quando ele sai da pizzaria.

Danton anda pelo shopping sem rumo. Em um dos corredores, ele se surpreende ao ver uma jovem muito bonita carregando alguns pacotes. É Gabrielle, que está com dificuldades para abrir a porta de uma loja. Sem acreditar no que está vendo, Danton caminha até ela.

– Quer ajuda?

Gabrielle se assusta e deixa cair no chão todos os embrulhos. Ela usa óculos e tem os cabelos presos em um coque, mas é muito, muito bonita. No mesmo instante, os dois se abaixam para pegar os pacotes. Os cabelos da menina se soltam e ela deixa cair seus óculos, dando de cara com Danton, que fica absolutamente hipnotizado com a imagem da moça.

– Desculpa se te assustei. – Diz Danton, constrangido.

Gabrielle se levanta. Danton a acompanha, segurando os embrulhos. Ela aparenta um pouco de nervosismo, e continua tentando abrir a porta da loja.

– Você… você trabalha aqui? – Pergunta Gabrielle, sem olhar para Danton.

– Não.

A porta da loja se abre. Gabrielle entra e Danton tenta segui-la, mas ela fecha a porta. Danton se surpreende:

– Seus embrulhos…

– Deixa aí na porta.

– Peraí, garota! Já pedi desculpa por ter te assustado! Você pensa o quê? Que eu vou te estuprar ou roubar tua loja?!

– Sei lá. Não te conheço. – Responde Gabrielle por trás da porta de vidro.

– Meu nome é Danton. Dá pra pegar estes embrulhos? Você acha que se eu quisesse alguma coisa eu ainda ia estar segurando isso?

Gabrielle olha fixamente para Danton, pensativa, e resolve abrir a porta.

Danton entra na loja carregando os pacotes. Gabrielle tranca a porta e acende a luz. É uma loja de lingeries.

– Onde eu ponho estas coisas? – Pergunta Danton.

– Pode colocar ali. – Responde Gabrielle.

Danton coloca os embrulhos no balcão indicado pela menina. Disfarçadamente, Gabrielle ingere um comprimido.

– Você ainda não disse o que está fazendo aqui a essa hora.

– Nem você disse o seu nome.

– Gabrielle. – Diz a moça, com um sorriso.

– Prazer, Gabrielle. Meio estranho esse jeito de se conhecer, né?  É que eu fiquei preso no banheiro e fecharam o shopping.

– Preso no banheiro? Por quê? – Pergunta Gabrielle, enquanto começa a desembrulhar os pacotes.

– É uma história longa. Bem, eu esqueci meu celular no banheiro, e quando eu fui buscar… – Danton faz uma pausa. Não iria falar que tomou porrada. Então resolve mentir: – Eu tava com o maior sono e dormi.

– Sei. Tava com sono… – Comenta Gabrielle, irônica.

– Você também não disse o que veio fazer aqui nessa loja de madrugada. – Danton tenta mudar de assunto.

– Eu trabalho aqui. – Responde Gabrielle, entrando em um dos provadores.

– Acho que ninguém vai querer comprar nada a essa hora.

– Eu não vendo, bobinho. Eu sou estilista e vitrinista.

– Saquei. Você arruma as vitrines.

– Mais que isso. Eu também desenho e testo as peças.

Danton se surpreende com a resposta. Após alguns instantes, quando ele olha para o provador onde Gabrielle entrou, ela abre a cortina. A jovem está vestindo uma lingerie extremamente sensual, na contraluz, deixando seu rosto na penumbra e suas curvas em destaque. E que curvas!

– O que você acha desse modelo? – Diz Gabrielle, se exibindo.

– É… muito bonito. – Responde Danton, quase gaguejando, ao mesmo tempo excitado e espantado.

Gabrielle fecha a cortina do provador. Danton está completamente vidrado. Pela transparência do tecido, ele vê a silhueta de Gabrielle trocando de lingerie. Ela volta com um modelito ainda mais sexy, e continua o jogo de sedução:

– E esse? Te excita?

– Muito… muito!

Mais uma vez ela fecha a cortina e volta a se trocar.

– Isso não está acontecendo. – Murmura Danton para si mesmo, sem acreditar naquela situação.

Gabrielle volta com um espartilho, mas dessa vez avança em direção a Danton. Insinuante, ela dá uma volta ao redor dele e para com os lábios bem próximos de sua boca.

– Você é maluca, né? – Questiona Danton, encantado.

Gabrielle nem responde. Ela agarra Danton e eles se jogam por cima do balcão, beijando-se alucinadamente e derrubando o resto dos pacotes. Os dois caem no chão enlouquecidos, e Gabrielle começa a tirar as roupas de Danton. Ela tira sua camisa, beija seu pescoço e começa a desabotoar suas calças. Danton responde acariciando seu corpo e seus cabelos até soltar a parte de cima de sua lingerie. Depois de um tempo de amasso, Gabrielle para e olha para Danton, séria.

– O que foi? – Pergunta ele, intrigado.

– A camisinha. Você tem camisinha?

Danton então se lembra de Davi lhe entregando um pacote de preservativos no banheiro. O pacote na carteira, atrás do cartão de sócio-torcedor do Flamengo. E a carteira sendo deixada com Jorginho.

– Não está aqui comigo. – Lamenta Danton.

– Nesse momento, há milhares de camisinhas no shopping, esperando por nós.

De fato, não deveria ser difícil achar preservativos num shopping center. Desde os tradicionais até os mais esdrúxulos, com sabor de framboesa. Havia muitas farmácias e até uma sex shop ali.

– Me espera aqui. Eu consigo uma. – Diz Danton, já se levantando.

– Só uma? – Pergunta Gabrielle, provocante.

Danton não responde. Entendendo o recado, ele sai da loja apressado. Agora era uma questão de honra arrumar as benditas camisinhas. Muitas camisinhas.

[Continua: VI. Fogo no Parquinho]

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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