VI. Noite Foda

VI. Noite Foda

(Antes: V. Resgate Heroico)

O salto é quase perfeito. Por um ligeiro erro de cálculo, o pé de Santoro resvala no caldeirão, que vira novamente, derramando todo o líquido borbulhante ao redor. Mesmo sentido as pernas queimando, ele consegue chegar ao tablado onde já estavam empurrando a menina para o sacrifício. Usando a tampa de panela como escudo, ele se defende das estocadas das lanças de ferro, e derruba os mascarados que estavam no cadafalso com golpes do taco de baseball.

Espumando de ódio, o líder encapuzado aponta para Santoro, já berrando aquele insólito comando para matar que ele tinha escutado antes:

– Batanka nu ku! Batanka nu ku!

Sem perder tempo, Santoro toma a mocinha pelas mãos e eles saltam do tablado para o hall, iniciando mais uma fuga alucinada pelo shopping, com os mascarados atrás deles. Mas agora ele já sabia o que fazer. Seguindo até o corredor estreito da loja de animais de estimação, ele para um instante para aguardar os perseguidores. Quando estes estão prestes a passar pelo local, Santoro dispara a pistola de pregos na direção do enorme aquário que servia como vitrine do pet shop. O vidro racha e logo explode com a pressão, produzindo uma enxurrada de água e peixinhos coloridos que arrasta os batankas para longe dali.

Aproveitando a vantagem, Santoro e a jovem correm até a área de diversão do shopping, onde se escondem atrás dos fliperamas. Ele então desamarra a moça e confirma que ela era realmente bonita. Na verdade, era linda. Talvez já tivesse visto aquela menina antes. Pouco depois, um mascarado aparece no local. Santoro aciona uma das máquinas eletrônicas para chamar a atenção, e quando o sujeito aparece para conferir, ele surge montado num carrossel ligado para nocauteá-lo com o taco.

O barulho na área atrai mais dois perseguidores, que logo percebem o parceiro caído. Santoro e a jovem observam a movimentação, ainda escondidos. Os batankas se dividem para procurá-los. Um deles vê as luzes acesas de um trem fantasma, e entra no túnel para investigar. No escuro, acaba recebendo uma bordoada certeira desferida por Santoro, que tinha armado uma cilada para o perseguidor. O outro mascarado escuta o grito e corre para o brinquedo, a tempo de ver seu colega desmaiado, passeando no trenzinho infantil. Do outro lado, Santoro corre com a jovem até uma torre de escalada, que se conecta a tubos de plástico, pontes de corda e outros obstáculos divertidos.

O batanka segue os dois, e nota que eles deslizaram por um escorregador até a piscina de bolinhas. Quando faz o mesmo para segui-los, Santoro se levanta para surpreendê-lo, pois ainda estava mergulhado no local, aguardando o momento certo para o ataque. Mais um mascarado fora de combate. Livres dos perseguidores na área de diversão, eles então resolvem se esconder na sala VIP do cinema ao lado.

Acomodados numa confortável poltrona reclinável no fundo da sala, ainda sem saber o que fazer a partir dali, Santoro não tem tempo de perguntar nada. A linda mulher agarra com paixão seu salvador, e eles se beijam enquanto ela já começa a tirar a roupa. Era bonita e gostosa, aliás. Irresistível. Tem dia que a noite é foda. Literalmente.

Cansado, molhado, queimado, ferido e em êxtase, Santoro adormece no cinema. Mas acorda com a ponta de uma lança espetando sua garganta.

Agora era o próprio líder encapuzado que estava ali. Ao lado daquele sujeito pavoroso, a jovem que Santoro tinha salvado sorri maliciosamente antes de colocar sua própria máscara. Aquela maldita era uma armadilha. E somente então ele percebeu que realmente já a conhecia. Tinha sido ela que lhe ofereceu aquele chiclete antes de toda a loucura começar.

Quem mandou pensar com a cabeça de baixo?

(Continua: Fim da Linha)

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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