VII. Fim da Linha

VII. Fim da Linha

(Antes: VI. Noite Foda)

Santoro agora tem as mãos e os pés amarrados pelos batankas. Como um prisioneiro no pau-de-arara, ele é conduzido pelos corredores do shopping, num cerimonial maligno que conta com cânticos e batuques, até o hall onde o caldeirão borbulhante estava novamente preparado para cozinhá-lo.

O líder encapuzado vocifera as palavras macabras com vontade, enquanto Santoro é colocado mais uma vez em cima do tablado:

– ANANÁ KUNDÊ! BATANKA FRITÁ VOCÊ!

Agachado à beira do cadafalso, Santoro já pode sentir o calor emitido pelo caldeirão ao lado, que respinga gotas ferventes em seu rosto. Tudo estaria realmente perdido, se ele não tivesse uma última carta na manga. Mesmo com as mãos amarradas, Santoro tateia o bolso de sua calça jeans para ligar o controle remoto do drone que tinha preparado antes, quando ainda estava planejando salvar aquela filha da puta.

No parapeito do vão de cima, o brinquedo levanta voo, puxando com um barbante uma garrafa de ácido, que cai exatamente na direção do caldeirão, arrastando o drone e as demais garrafas empilhadas lado a lado, também amarradas umas às outras. A mistura produz um gás tóxico que logo toma todo o ambiente, provocando novamente o pânico entre os mascarados. Mesmo com as mãos atadas, Santoro puxa a gola da camisa para proteger o nariz e cata rapidamente no bolso o alicate que tinha pego na sala de manutenção, usando a ferramenta para cortar as cortas que estavam prendendo seus pés.

Alguns dos batankas caem desmaiados, enquanto outros tentam fugir dali, apavorados e intoxicados pelo gás. Santoro aproveita a confusão para saltar novamente do tablado e fugir correndo pelo hall do shopping. Completamente tomado pela raiva, o líder encapuzado empurra ele mesmo o caldeirão para derramar o líquido que continuava produzindo o vapor, enquanto amaldiçoa Santoro pela última vez:

– BATANKAAAAA!!!

Percebendo as mãos queimadas em carne viva pelo metal incandescente, ele rosna:

– NU KU!!! NU KU!!!

Quando a fumaça tóxica começa a se dissipar no local, os mascarados iniciam novamente uma perseguição, com o líder encapuzado à frente. Santoro foge em desespero máximo, com as mãos ainda amarradas, cruzando todos os locais do shopping onde já tinha passado antes. Sem olhar para trás, ele corre como se não houvesse amanhã. Após algum tempo subindo e descendo escadas rolantes, pulando mesas e cadeiras, entrando e saindo de becos estreitos, ele começa a perceber que não há mais ninguém atrás dele. Nenhum passo, nenhum barulho, nada.

Santoro chega até o corredor da loja de animais de estimação e fica abismado ao notar que o vidro do aquário está intacto. O chão já estava completamente seco, os peixinhos coloridos sãos e salvos. Nos demais locais, as lixeiras e vasos de planta que ele tinha derrubado estavam no lugar. Nenhum sinal do caldeirão, nem do ácido derramado. Mas como?! Teria alucinado tudo aquilo?

Chegando ao hall principal do shopping, Santoro percebe que a porta de vidro que ele tinha quebrado também estava inteira. Do lado de fora, o céu já começava a amanhecer.

Incrédulo e absolutamente puído, já questionando a própria sanidade mental, Santoro vai caminhando trôpego em direção à saída. Mas, antes de alcançá-la, ele percebe horrorizado um dos mascarados parado no fundo de um corredor lateral. Olhando para trás, ele vê outro batanka no alto de uma escada rolante. E mais outro na frente de uma loja. Um a um, seus implacáveis perseguidores saem dos esconderijos, incluindo o líder encapuzado e a jovem que servira como isca.

Apavorado, Santoro reúne todas as últimas forças que ainda lhe restam para correr até a entrada principal do shopping, enquanto os batankas gritam e seguem atrás dele. Não havia mais nenhuma alternativa. Quando Santoro chega até a porta, dá de cara com um segurança do estabelecimento, que já se preparava para abri-la. Era o mesmo sujeito enorme, com cara de fisiculturista, em quem ele tinha esbarrado no início da noite:

– SOCORRO! POR FAVOR! ME TIRA DAQUI!

Assim que a porta se abre, Santoro cai aos pés do segurança. Naquele momento, ele era apenas um farrapo humano, se abraçando às pernas do funcionário como uma criança indefesa, de olhos fechados, em posição fetal. Após alguns segundos, toma coragem e olha ao redor. Não há mais nenhum mascarado por ali. Sem entender absolutamente nada, o segurança ajuda Santoro a se levantar. Outras pessoas começam a entrar no shopping, e também estranham aquela cena constrangedora, e até mesmo comovente.

Mais aliviado do que envergonhado, Santoro dá um forte abraço no segurança. Caminhando em direção à luz da manhã, ele finalmente sai do shopping, como se tivesse nascido de novo. Se dependesse dele, nunca mais iria voltar àquele lugar maldito.

Enquanto isso, no banheiro do shopping, um faxineiro coloca um maço de Marlboro em cima de um rolo de papel higiênico, e logo depois descarta uma máscara e um manto com capuz em uma lixeira.

FIM

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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