I. Dia de Merda
– Esse filme é uma merda.
Já era a terceira ou quarta vez que Luana cornetava o filme que seu namorado queria assistir desde que viu o primeiro trailer no Youtube. Santoro estava puto com aquilo, mas decidiu ficar calado.
Na tela, um faxineiro está varrendo o chão de um banheiro de shopping. Aparentando cansaço, o sujeito pega um maço de Marlboro vermelho do bolso do macacão. Ele deixa a vassoura encostada no balcão da pia e se afasta para um canto, onde acende um cigarro. Meio distraído, deixa o maço apoiado no rolo de papel higiênico, para o close da câmera.
Até o fim da sessão, Santoro atura Luana reclamando de cada ação dos personagens, “que não tinham motivação alguma para fazer o que fazem”. Era um filme meio gore, meio suspense, terror moderno, porra. Ela queria o quê? O fato é que ele não aguentava mais ver aqueles filmes malucos que ela gostava, o último tailandês que estreou em Cannes e toda aquela xaropada pretensiosa.
– E aí? Bora esticar prum motelzinho?
– Ai, Rô… Hoje não vai dar. Marquei com a Fernanda de ver a live do Zé Ramalho com ela lá em casa hoje. Começa daqui a pouco.
O beijo protocolar de despedida é meio frio. Luana já está concentrada trocando mensagens no celular e pedindo um Uber. Santoro resolve ficar mais um pouco no shopping, para pensar na vida. No caminho para o banheiro, um sujeito enorme com cara de fisiculturista dá um esbarrão forte nele, e ainda olha de cara feia. Puta que o pariu, que dia merda.
No corredor, uma menina vestida de maneira sexy e meio extravagante carrega uma bandeja de chicletes.
– Vai uma amostra grátis? Lançamento…
– Não, não, brigado… – Santoro responde quase no automático, pois não tinha o costume de mascar chicletes, fazendo uma força pra não olhar pro decote da moça.
– Ah, prova unzinho, pô… Tenho certeza que você vai gostar – Ela responde, abrindo um sorriso encantador.
Santoro para. Agora ele tinha que provar aquele chiclete. A menina continua olhando, com aquele sorriso filho da puta. Ele devolve o sorriso, rasga a embalagem e põe um tablete na boca. Ela continua sorrindo, maliciosamente. Santoro masca a goma, boca fechada, na etiqueta. Até que era gostoso.
Muito gostoso. Mas a visão dá uma borrada, a boca fica meio mole. Vultos aparecem no fim do corredor, e Santoro pensa ter ouvido alguém chamar o seu nome. Cadê a menina? Esfregando os olhos, ele cospe no chão a porra do chiclete. Que merda é essa? Um pouco zonzo, entra no banheiro e se olha no espelho, apoiando as mãos na bancada da pia.
Depois de jogar uma água no rosto, Santoro lembra o motivo de estar ali. Desde a metade do filme ele já estava com vontade de dar uma cagada. Quando se encaminha para a primeira cabine, um faxineiro joga um balde de água para dentro. O segundo reservado está trancado, e alguém resmunga quando ele tenta abrir a porta. Pronto para entrar na terceira cabine, um moleque se adianta e passa à sua frente, apertado. Até cagar parecia difícil naquela noite.
Felizmente, a quarta cabine estava vazia. E ainda tinha um maço de Marlboro esperando por ele em cima do rolo de papel higiênico, com um isqueiro dentro. Dupla coincidência. Tinha parado de fumar há uns três meses, mas já estava na ura de mandar um trago. Luana era contra. Luana que se foda.
A cagada sai fácil com a nicotina. Santoro limpa a bunda, mas os olhos ainda estão pesados. Por alguma razão, naquele momento pareceu que um cochilo por ali não seria nada mau.
As luzes nos corredores do shopping começam a se apagar. Os funcionários fecham as lojas, os seguranças trancam os acessos externos do estabelecimento. Santoro acorda na cabine, com uma puta dor de cabeça. O banheiro ainda tem as luzes acesas. Ele lava as mãos e sai do recinto, quando começa a perceber algo de estranho. Por que tudo tão escuro? Caralho, não sabia que um shopping à noite ficava tão sinistro.
No hall principal, Santoro percebe que tudo está vazio e trancado. Puta que o pariu, tinha dormido demais.
Excelente texto, Marcial!!!! Vou ler todos com a certeza de que vou adorar 🥰
Obrigado, Helena! Resolvemos abrir a gaveta! 🙂 Bjs!