II. Sem Nome

II. Sem Nome

Antes: I. Eu não fumei a gonga

– Aquele cara vai com a gente de novo? – Perguntou Pedro, já lamentando a resposta.

Martin apenas acenou positivamente com a cabeça. Seus dois melhores amigos não se davam. Enquanto Filho era um fio desencapado, um bully de escola, sempre pronto a entrar em qualquer confusão, Pedro era o oposto disso: centrado, estudioso e bem-comportado. Para completar a vendeta, ainda disputavam a preferência de Mari, irmã de Martin. Naquele momento, Filho estava levando a melhor. Embora fosse um cafajeste, era sempre presente, enquanto Pedro tinha se enturmado com o pessoal da Escola Técnica onde cursava o segundo grau, e tinha até arrumado uma namorada por lá.

– Sua irmã vai? – Questionou Martin. Durante um tempo, ele e Cris tinham sido namorados, mas ela tinha lhe trocado por um cara mais velho da mesma Escola Técnica que frequentava com o irmão.

– Acho que vai. A Mari convidou, e parece que ela e o Bond Boca lá não andam muito bem.

Martin nem chegou a se animar com a resposta. O coração ainda estava cicatrizando, e ele não podia nem pensar em ter uma recaída. Na verdade, a escolha em fazer faculdade em outra cidade tinha muito a ver com aquilo. Estava na hora de conhecer gente nova, outras amizades, outras mulheres.

Enquanto conversavam na praça do condomínio onde moravam, Kitz passou dirigindo a Uno vermelha do pai, acompanhado de Roserite:

– Bora pra Sem Nome?

Sem Nome era uma sorveteria próxima, a alguns quarteirões de distância. Sem ter mais o que fazer, os dois resolveram entrar no carro, e alguns minutos depois já estavam no lugar, tomando milk shakes. Para alegria do grupo, algumas meninas bonitas na mesa ao lado lançavam olhares provocantes. Kitz e Roserite, que não costumavam desperdiçar essas chances, começaram a brincar com as garotas, fazendo gestos quase obscenos com canudinhos na boca. Depois de algumas risadas, o flerte tinha acabado.

Mas, quando os quatro já estavam voltando para casa, em frente à entrada do condomínio, um jovem de moto, sem camisa, usando uma pochete, fechou o carro e gritou bem alto para que todos pudessem ouvir, incluindo os seguranças do local:

– Então vocês moram aí, né? Estão fodidos! É só esperar!

Tirando uma das mãos da pochete entreaberta, como se estivesse segurando uma arma, o sujeito deu meia volta com a moto e arrancou a toda velocidade, provocando a surpresa em todos que testemunhavam a cena.

– O que houve, molecada? – Perguntou Tonhão, um dos seguranças do condomínio.

Ninguém ali sabia responder. Mas conseguiam imaginar.

Martin estava calado, ainda tentando digerir a ameaça. Kitz e Roserite logo se ligaram que aquilo tinha alguma coisa a ver com as meninas da sorveteria.

– Que cara babaca! – Exclamou Roserite.

Martin e Kitz apenas se entreolharam. Nunca que iriam levar aquele desaforo pra casa.

– Bora voltar lá? – Disse Martin, já com os olhos vermelhos de raiva.

– Vocês enlouqueceram? O cara pode estar armado! – Gritou Pedro, apelando para a sensatez dos amigos.

Nílson, chefe da segurança, fez coro:

– Deixa essa porra pra lá, rapaziada… Isso não vai dar em nada.

Mas agora já corria um burburinho pela praça do condomínio. A Uno vermelha estacionada na portaria, com os quatro amigos tentando entender o que tinha acontecido.

Saído do nada, como se tivesse sido atraído pela confusão, Filho apareceu no local. Quando ficou sabendo do ocorrido, foi correndo pra casa, que ficava perto dali, e voltou confiante:

– Kitz, toca pra Sem Nome!

Pedro, absolutamente desconfortável com a ideia, saltou do carro para dar o lugar ao cunhado de Martin, que continuava tremendo de raiva. Sempre que se sentia ameaçado acontecia aquilo. A razão dava lugar a uma raiva descontrolada. No banco de trás da Uno, ele percebeu que Filho estava com a pistola 9mm do pai, e levava o ferro na cintura, embaixo da camisa. Temendo pelo pior, Martin pediu:

– Então tu vai ficar no carro. Se der merda, você sai.

Kitz arrancou com a Uno de volta à sorveteria. Antes mesmo de estacionar, puderam ver o cara da moto conversando com as meninas na calçada, junto a mais dois amigos, como se estivesse tirando onda por ter apavorado os forasteiros.

– É ele. – Aponta Roserite, já saindo do carro com Kitz e Martin.

Uma discussão logo se instala na frente do estabelecimento. A briga não demorou muito a começar, no mano a mano. Mas, quando alguns adultos saíram da sorveteria e de uma pizzaria ao lado para interromper a confusão (“que porra é essa, molecada?!”), Filho saltou do carro com a pistola em punho, disparando uns cinco tiros a 45 graus, na direção do tumulto.

No mesmo momento, deu-se um salve-se quem puder. Os homens que tinham saído para moralizar a situação se arremessaram por cima de mesas e cadeiras, fugindo de volta para os estabelecimentos, buscando abrigo. Um sujeito que passava pelo local de bicicleta freou a magrela com os próprios pés, amassando o saco no quadro. Após os tiros, silêncio absoluto. Na calçada e na rua, apenas Filho, Kitz, Roserite e Martin podiam ser vistos.

– Essa porra não é bagunça! – Gritou Filho, sem se dar conta da contradição.

Enquanto voltavam para casa na Uno vermelha, Filho colocou o corpo para fora da janela e apontou a pistola mais uma vez, o suficiente para instalar novamente o pânico no local. Entre os frequentadores da pizzaria, porém, estava a mãe de Martin, que gritou o nome do filho quando viu a delinquência.

Continua: III. La Bomba

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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