III. La Bomba

III. La Bomba

Antes: II. Sem Nome

Martin passou em casa para pegar suas roupas para viagem. Não queria esperar sua mãe chegar, pois o esporro seria certo. No dia seguinte, seu pai, que morava em um condomínio próximo, viajaria para o “Montanha Russa” de manhã cedo, e ele já tinha combinado com Filho e Pedro que eles iriam juntos.

– Soube que vocês arrumaram a maior merda ontem na Sem Nome… – Disparou Luciana, filha da madrasta de Martin, enquanto arrumavam o carro para a viagem.

– Coisa pouca… – Rebateu Filho, tentando minimizar o ocorrido.

– Mentiroso. – Replicou Roberta, irmã caçula de Martin: – O Nílson já veio aqui falar com o meu pai que andaram caçando vocês ontem de noite lá no condomínio.

– Eu avisei pra eles não voltarem lá. – Sentenciou Pedro, para satisfação de Mari, que não entendia como o irmão mais velho ainda podia se meter nesse tipo de situação.

– Fica tranquila, isso não vai dar em nada… – Insistiu Filho, terminando de colocar algumas bolsas no porta-malas.

– E aqueles outros malucos também vão passar o réveillon lá? – Perguntou Luciana.

– Acho que vão hoje, com a namorada do Zoila. – Informou Martin.

– O Gabriel voltou com aquela mulher? – Disse Luciana, que já tinha namorado Zoila.

– Só pra passar o ano novo. – Resumiu Filho.

Enquanto isso, Kitz e Roserite esperavam o amigo, cada um com a sua mochila, pranchas de Bodyboard e pés-de-pato, em frente a um prédio de luxo. Quando Zoila desceu, os dois sentiram que o clima não estava bom: visivelmente alterada, Medéia gritava que não ia levar ninguém com ela. Com aquela tranquilidade que assustava qualquer um, Gabriel parecia não dar ouvidos às ameaças. Com a chave do carro na mão, ele abriu o porta-malas e logo meteu as mochilas e pranchas lá, fingindo que nada estava acontecendo.

Mas estava. A viagem do grupo para o “Montanha Russa” durou poucos minutos. Ainda que não quisesse rebater o falatório da namorada, Zoila não conseguiu suportar quando ela começou a lhe agredir com tapas e socos, dentro do carro:

– Sua maluca! Não tá vendo que eu tô dirigindo, porra!

– Não finge que não tá me ouvindo, Gabriel! – Gritou Medéia, descontrolada pelo pó.

Zoila deu uma freada brusca e parou no acostamento. Sem dizer nada, saiu do carro e começou a andar pela estrada, no caminho contrário da viagem.

– Ei Gabriel! O que você tá fazendo?! Volta aqui, seu moleque! – Revoltou-se a Medéia, antes de dirigir sua fúria para os dois amigos no banco de trás, que não sabiam absolutamente o que fazer:

– Saiam daqui! Porra! Já falei que não vou levar ninguém!

Sem pestanejar, Kitz e Roserite saíram do carro o mais rápido que puderam, correndo na direção de Zoila, enquanto Medéia arrancava com o carro.

– Caralho, Zoila! A maluca levou nossas mochilas! – Exclamou Kitz, sem acreditar no que tinha acabado de presenciar.

– E a minha prancha, porra! – Lamentou Roserite: – O que a gente vai fazer agora?!

– Vamos dar o nosso jeito. Esse réveillon a gente vai passar lá na casa dela. – Respondeu Zoila, com tranquilidade.

– Mas a gente vai como, cara? É chão pra caralho até lá! – Rebateu Kitz.

– Teu avô não tem um carro parado na garagem, Roserite? – Perguntou Zoila.

– Tá maluco, cara? Não tem como a gente viajar naquela bomba! – Respondeu Ricardo.

“Bomba” não era força de expressão. O automóvel já tinha sido uma Caravan, algum dia. Mas hoje não passava de uma carcaça apodrecida sem faróis ou lanternas, com pneus carecas e motor queimando óleo. Como se não pudesse ser pior, não havia assoalho aos pés do banco do carona, e a tampa do tanque de gasolina não passava de um chumaço de jornal retorcido, como se fosse o estopim de um coquetel molotov.

– Alguém tem uma ideia melhor? Não temos dinheiro nem pra pegar um ônibus. Ficou tudo nas mochilas. – Decretou Zoila.

Poucas horas depois, os três se aventuravam na estrada com a Bomba, que pelo menos estava com o tanque cheio. O avô de Roserite só usava o carro para levar cachorros de briga para uma rinha. Como não iria usá-lo no réveillon, resolveu emprestá-lo para o neto.

A viagem até o Montanha Russa foi emocionante. Aquele era o início da década de 90, quando o policiamento nas estradas era simplesmente inexistente. Mas seria difícil ver a bomba andando no escuro, sem qualquer iluminação externa ou interna. No banco do carona, com os pés apoiados no painel do carro, Kitz assistia o asfalto passar depressa. Para combater a vertigem, acendia um baseado atrás do outro.

No início da noite, quando começou a chover, tudo ficou ainda mais complicado, pois o carro obviamente não tinha limpador de para-brisa. Compenetrado no volante, Roserite estendia o braço esquerdo para fora da janela e improvisava ele mesmo um jeito de ter alguma visibilidade, esfregando a mão no vidro. No banco de trás, Zoila dava mais uma tragada numa ponta. Quando eles finalmente chegassem à casa de praia, aquela Medéia filha da puta não perderia por esperar.

Continua: IV. Moletom e chinelo

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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