Produção Industrial na TV, Competência e Convergência
Em 2001, participei da IV Oficina de Produção da TV Globo, quando tive a oportunidade de conhecer os diversos setores da então Central Globo de Produção, que àquela altura tinha implantado o modelo de gestão por competências. Em linhas gerais, em vez de gerir cada projeto isoladamente, como acontece tradicionalmente na produção de um longa-metragem, por exemplo, a empresa buscou identificar as competências necessárias para a realização de seus programas, da produção de arte à engenharia, dos recursos artísticos à pós-produção, entre outros, definindo a padronização dos procedimentos que culminavam na exibição diária de uma grande quantidade de material produzido internamente.
Toda essa máquina era amparada por um PCP (Planejamento e Controle da Produção), que se esmerava na alocação dos profissionais em cada projeto, durante o tempo necessário, de forma a evitar sobreposições e desperdícios. No modelo, cada programa continuava sendo tratado como um projeto específico, com um gerente de produção (e sua equipe) responsável pela condução das atividades cotidianas, coordenando o trabalho dos demais profissionais das mais variadas competências, figurinistas, cenógrafos, produtores de arte, engenharia e efeitos especiais, editores de imagem e som, para garantir que o cronograma dos trabalhos fosse cumprido à risca.
No final da primeira década do século XXI, a TV Globo já produzia 90% de sua programação, com mais de 4 mil horas anuais de programas de entretenimento e jornalismo. Era uma engrenagem industrial que exigia um alto grau de profissionalismo e excelência, internalizando atividades como a produção de cenários e figurinos, construção de cidades cenográficas, alocação de estúdios e equipamentos. O Projac, como ficou conhecida a central de produção instalada em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, funcionava 24h por dia, de segunda a domingo, num ritmo frenético que não conhecia feriados. Afinal, a programação estava no ar todos os dias.
Em 2002, após o término da oficina, fui contratado como Produtor de Internet, que na época era um “projeto de competência” para a empresa. A Globo.com já existia, mas como uma empresa separada. Com raras exceções, todo o conteúdo dos sites dos programas realizados na CGP era produzido internamente no Projac, por uma equipe que tive a oportunidade de coordenar de 2003 a 2006. Foi um período de transformações marcantes, quando o portal da Globo finalmente desbancou o UOL na liderança de acessos. Época de lançamento do “Globo Media Center” (embrião do atual Globoplay), alimentado por vídeos dos programas da emissora, adaptados para a capacidade de uma Internet que dava seus primeiros passos na banda larga.
O mesmo ritmo industrial aplicado aos estúdios podia ser visto no trabalho das equipes que produziam o conteúdo online. Para tanto, diversas competências precisaram ser desenvolvidas. Nos meus primeiros dias no setor, além dos designers que davam cores e estilos aos sites, e dos arquitetos da informação responsáveis pela interface com as empresas fornecedoras dos serviços de tecnologia (programação e banco de dados, por exemplo), esperava-se que todo o conteúdo fosse produzido pelo mesmo tipo de profissional, que se multiplicava na redação dos textos, captação de fotos e edição de vídeos publicados diariamente. Poucos anos depois, essas tarefas já eram realizadas por equipes especializadas, de forma a garantir a qualidade e a quantidade do conteúdo.
Quando deixei a empresa, no fim de 2006, a Globo.com já tinha sido absorvida pela TV, resultado natural do processo de gestão por competências. Naquele tempo, discutiam-se assuntos como a implantação da TV Digital, se a “Internet entraria na televisão”, ou vice-versa. Avaliando de forma retrospectiva, podemos dizer que as duas coisas aconteceram simultaneamente. Assistimos aos aplicativos de streaming de vídeo em Smart TVs, ao mesmo tempo em que acessamos o conteúdo exibido na TV através de sites na tela do computador e celulares. O processo de convergência continua a todo vapor, arrastando audiências, desafiando modelos de negócios e modificando hábitos de consumo arraigados, temas complexos que merecerão desenvolvimento em outros posts.