Rocky Motivacional Balboa

Rocky Motivacional Balboa

Uma das cenas mais comentadas de Rocky Balboa, sexto filme da série de obras protagonizadas pelo icônico lutador interpretado por Sylvester Stallone, acontece num diálogo tenso entre pai e filho. Mais ou menos na metade do longa-metragem, quando Rocky ainda nem tinha começado a preparação para sua volta aos ringues, ele dá uma verdadeira lição de vida para Robert Balboa Jr., num trecho que hoje é frequentemente utilizado em palestras motivacionais para ilustrar virtudes como resiliência, coragem e autoestima.

Rocky, com o coração na mão, diz ao filho que o mundo não é um arco-íris, que é um lugar cruel e desagradável, e vai nos colocar de joelhos se permitirmos isso. No clímax da cena, o boxeador traz para a vida real a atitude que sempre teve nos ringues, fartamente ilustrada nos filmes anteriores: “You, me, or nobody is gonna hit as hard as life. But it ain’t about how hard you hit. It’s about how hard you can get hit and keep moving forward” (“Você, eu nem ninguém vai bater tão duro quanto a vida. Mas não se trata de quão duro você bate. Trata-se de quanto você aguenta apanhar e continuar seguindo em frente”). Um discurso poético, inspirador. Um daqueles momentos em que nos certificamos do quanto o cinema pode formatar consciências, estimular comportamentos e conquistar corações e mentes.

À luz do simples entretenimento, a cena é perfeita. Promove a decisão já tomada por Rocky, muda o entendimento de seu filho e ainda arranca algumas lágrimas e sorrisos de motivação do público. Mas, como sempre é característico neste tipo de construção retórica, seus significados devem ser avaliados com muito cuidado, caso alguém realmente deseje aplicar a tal lição de vida em situações reais.

Inicialmente, deve ser destacado que a motivação escolhida por Robert Jr. para interpelar o pai não foi das melhores. Numa decisão cirúrgica dos roteiristas, o rapaz parece mais preocupado com si mesmo do que com Rocky, verdadeiro agente da decisão arriscada de voltar a lutar. Robert reclama de ter estado sempre na sombra do pai, e de que justamente quando começava a conquistar as coisas por si mesmo, aquele fantasma voltaria a assombrá-lo. No trecho mais infeliz de sua participação, ele chega a questionar Rocky se ele não estava incomodado de ser alvo de piadas. Porque ele estava.

Na vida real, preocupações muito mais importantes poderiam estar em jogo, de fato. No filme anterior da série (Rocky V, de 1990), por exemplo, o lutador foi diagnosticado com uma severa condição neurológica, e um retorno aos ringues poderia lhe custar a vida. Se a motivação de Robert para mudar a decisão de Rocky fosse a preocupação legítima com a saúde do pai, já um senhor de idade àquela altura, a conversa provavelmente seria outra. Testar a capacidade de alguém apanhar e continuar seguindo em frente pode ser uma boa metáfora para muita coisa, mas com certeza não seria algo inteligente naquela situação específica. Muitas vezes, o melhor é recuar, ou desistir. E não há nada de errado nisso.

O próprio Rocky, ao fim do diálogo, deixa claro que quem não acredita em si mesmo jamais teria uma vida.  Robert poderia aproveitar o gancho para mostrar que o pai não precisava provar mais nada a ninguém, e questionar se ele já não acreditava em si mesmo o suficiente, depois de apanhar de forma inclemente em cinco filmes, e ainda sair vitorioso. Independente da decisão posterior de Rocky, pai e filho poderiam sair dali abraçados, em plena comunhão.

Como sabemos, as decisões artísticas dos filmes precisam fazer sentido para os filmes. O perigo só ocorre quando cenas de ficção passam a ser utilizadas como modelos reais de comportamento, com consequências imprevisíveis.

Confira a cena abaixo:

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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