A Maldição do Soldado Ryan

A Maldição do Soldado Ryan

A premissa do filme O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan), dirigido por Steven Spielberg e lançado em 1998, é bem conhecida: sabendo que três dos quatro filhos de uma família americana enviados para lutar na II Guerra Mundial tinham morrido em combate, os oficiais do Exército decidem que o quarto filho, James Ryan, deveria ser retirado dos campos de batalha, ainda vivo, e mandado de volta para casa, de forma a mitigar o sofrimento de sua mãe.

[Alerta de Spoiler]

Ainda que tal gesto de benevolência não seja exatamente característico da caserna, é possível “comprar” a história e acompanhar com muito interesse a saga do Capitão John Miller Jr., interpretado por Tom Hanks, que lidera outros sete combatentes na tarefa de resgatar o Soldado Ryan. Durante a missão, no entanto, seis integrantes da equipe acabam mortos, incluindo o próprio Capitão, que ainda consegue dizer suas últimas palavras para Ryan: “James… earn this. Earn it.” (“Faça por merecer. Mereça.”)

Chegamos então à cena final do filme, muitos anos após o ocorrido, quando um já envelhecido James Ryan visita o túmulo do Capitão John Miller Jr., acompanhado pela família. Diante da lápide, ele conta que pensou naquelas últimas palavras durante todos os dias de sua vida, e que tentou viver da melhor maneira possível desde então. Ryan acha que conseguiu “fazer por merecer”, mas não deixa de perguntar à mulher, visivelmente emocionado, se ela pode confirmar suas impressões: “Tell me I’ve led a good life. Tell me I’m a good man”. (“Diga que eu vivi bem. Diga que eu sou um bom homem”).

O significado da cena final do filme é claro: embora muitos tenham morrido somente para que Ryan pudesse viver, toda aquela tragédia tinha valido a pena. Afinal, ele tinha vivido uma vida digna como um “bom homem”, e agora estava lá para prestar as devidas homenagens ao Capitão. Uma verdadeira ode ao heroísmo de guerra e ao modo de vida daquele bom homem, patriarca de uma bonita, saudável e numerosa prole.

Mas o que a cena se esforça para esconder, apelando ao sentimentalismo da situação e ao uso de uma trilha sonora melancólica, é que nada daquilo poderia justificar a perda de seis vidas em troca de apenas uma. Afinal, aqueles homens mortos também tinham mães, e poderiam gerar uma prole bonita e saudável seis vezes mais numerosa do que a de Ryan.

Outro aspecto relevante, mas esquecido pelos personagens no cemitério, se revela quando Ryan confessa ter pensado nas últimas palavras do Capitão, “todos os dias de sua vida”. Considerando que ele não mentiu e nem exagerou, não é nada verossímil que alguém tenha vivido uma boa vida assombrado constantemente por um fantasma tão poderoso. Ou seja, tais palavras representariam bem mais uma maldição ou condenação, do que serviriam como um fator de motivação qualquer.

Na vida real, em caso de situação parecida, seria bem melhor se algum familiar pudesse abrir seus olhos. Talvez fosse o caso de ajuda psicológica, para que ele pudesse se recuperar do trauma. Esquecer tudo aquilo, de forma a possibilitar que Ryan vivesse realmente uma boa vida. Mas, como filmes geralmente não são feitos de matéria real, especialmente aqueles que se destinam ao entretenimento de grandes públicos, podemos nos contentar com a lenda, em troca de algumas lágrimas e algumas horas de diversão.

Confira a cena abaixo:

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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