Effort – A Arte não tem Intenção

Effort – A Arte não tem Intenção
Richard Serra, Inside Out, 2013

Reproduzo aqui o trecho de uma entrevista concedida pelo artista plástico Richard Serra a Liza Bear (10/30/73 NYC) publicada no Avalanche Newspaper em 1973. 

“The focus of the art for me is the experience of living through the pieces, and that experience may have very little to do with physical facts of the work of art, very little to do with that. But when you’re talking about intentions, all you’re telling people about is the relation of physical facts. 

And I think an artwork is not merely correctly predicting all the relations you can measure. Some people think it is, so they set up a construct and tell people their intentions, and then the construct verifies the intentions. Everybody has their own language structure that they put in it – they run it on a tape loop in their head – and what that does, those kinds of intentions, is to preclude people from experiencing the work. 

What I’ve decided is that what I’m doing in my work right now has nothing to do with the specific intentions. If I define a work and sum it up within the boundary of a definition, given my intentions, that seems to be a limitation on me and an imposition on other people of how to think about the work. Finally, it has absolutely nothing to do with my activity or art. 

I think the significance of the work is in its effort, not in its intentions. And that effort is a state of mind, an activity, an interaction with the world. I’m certainly trying to do certain things and you can talk about them. But when you imply that there’s some sort of specific intention, that someone’s going to learn something from a work, or that it’s goal-oriented in that way, or that it’s going to teach something…I don’t even know if that’s true or valid any more. I think that art’s about a certain kind of activity that burns itself out and then there’s something else, and it burns itself out as you finish each piece.”

Tradução:

“O foco da arte para mim é a experiência de viver através das peças, e essa experiência pode ter muito pouco a ver com fatores físicos da obra de arte, muito pouco a ver com isso. Mas quando você fala sobre intenções, tudo o que você diz às pessoas é em relação aos fatores físicos. 

Acho que uma obra de arte não trata apenas de prever corretamente todas as relações que você pode medir. Algumas pessoas pensam que sim, então criam um constructo e dizem às pessoas suas intenções, e então o constructo verifica essas intenções. Todo mundo tem sua própria estrutura de linguagem que coloca na obra – a executam em um loop gravado em suas cabeças – e o que isso faz, esse tipo de intenção, é impedir que as pessoas experimentem o trabalho. 

O que decidi é que meu trabalho agora não tem nada a ver com as intenções específicas. Definir uma obra e resumi-la dentro dos limites de uma definição, dadas as minhas intenções, parece ser uma limitação para mim e uma imposição para outras pessoas sobre como pensar sobre a obra. Finalmente, não tem absolutamente nada a ver com minha atividade ou com arte. 

Acho que a importância do trabalho está em seu esforço, não em suas intenções. E esse esforço é um estado de espírito, uma atividade, uma interação com o mundo. Certamente estou tentando fazer certas coisas e você pode falar sobre elas. Mas quando você insinua que há algum tipo de intenção específica, que alguém vai aprender algo com um trabalho, ou que é orientado para um objetivo dessa forma, ou que vai ensinar algo … Eu nem sei mais se isso é verdade ou válido. Acho que a arte é sobre um certo tipo de atividade que se extingue e então surge outra coisa, que se extingue quando você termina cada peça.”

Orson Welles dizia que “um filme morre quando se torna simples veículo de uma mensagem”. Essa frase e as ideias colocadas por Serra na entrevista transcrita acima, têm um denominador comum. O effort de que fala Serra, é algo que não quer da obra (enunciado do artista) nada que além do que ela virá a ser. Aquilo a que Serra se refere tem muito mais a ver com a ideia de vontade de potência, de Nietzsche. É o vigor da linguagem (expressão predileta do professor Márcio Tavares D’Amaral quando eu frequentava seus cursos na pós-graduação) em oposição a eficácia de comunicar seja lá o que for ou a legitimação de uma determinada forma de recortar o mundo, como seria uma visão antropológica ou sociológica, ou psicológica, científica, religiosa… Nas palavras de Serra, effort é um estado de espírito, uma atividade e uma interação com o mundo, em oposição a intenção de submetê-lo ao limites de uma episteme ou à métrica de algum mecanismo maximizador de resultados.

A arte é uma atividade, não uma ideia. Do ponto de vista do artista, arte é o que acontece no processo de criação. É através dos obstáculos, das formas de contorná-los, das mudanças inesperadas de rumo, que surge o que chamamos de inspiração. A obra é o esgotamento dessa reação. Do ponto de vista do sujeito que depois é exposto à obra, arte é o que acontece dentro dele ao experimentar a peça. É através da fruição, que também consiste em contornar obstáculos, que surge a experiência diante de uma obra de arte. O gênio dentro da lâmpada não está na concepção (antes do effort do artista) nem na recepção (depois do effort do admirador) mas apenas durante essas atividades.

O que pode ser o filme de que fala Welles, que não é mero veículo de uma mensagem? Essa obra de arte é um nó de acesso à rede infinita de sentido da cultura ou do inconsciente coletivo (aceito qualquer uma das duas definições). O effort é a experiência de uma tensão, como a que o arco exerce sobre o violino, entre o ordinário e o extraordinário. O effort não trata ordinário e extraordinário como uma dualidade do tipo ser ou não ser. É uma justaposição entre ordinário e extraordinário, aberta para a decisão entre poder ser e dever ser (a intenção do dever versus o effort do poder). O artista não conhece a obra previamente ao trabalho de produzi-la da mesma forma que não se pode controlar o sentido provocado por ela no público.

Na experiência mítica, a convivência entre o ordinário e o extraordinário não é um paradoxo. A narrativa, no ambiente circundante de sua fonte histórica, é uma experiência vital e verdadeira. O Mito possui racionalidade. O effort não é ordinário, portanto não é numerável em uma série causal em que o artista é um planejador de efeitos sobre um modelo de receptor. O Effort é espontâneo, fruto da vontade de sentido, e vai conversando toda forma que emerge. 

O pensamento mágico foi uma experiência tão vital e tão mítica quanto a ciência formal. A Lua, por effort da linguagem, é face triste de uma deusa há muito exilada no céu tanto quanto pode ser pedra fria e gigantesca girando em volta de uma terra esférica. A diferença entre essas narrativas só diz respeito ao berço de suas enunciações.

Nietzsche no primeiro aforismo de “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral” escreve:

“Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, Havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. 

Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal”.

Para a arte, tecnologia é tão somente instrumento, como o cinzel ou a pena. Tecno significa saber fazer. Logia significa saber saber. A cultura de nosso tempo e nossa civilização está atrelada a ideia do conhecimento e, naturalmente, ela tem sua sombra. Nesse caso, ser atraída para um reivindicação de conhecimento tal que provoca obstáculo à criação de mais conhecimento. Na arte não cabe prever. Os Empiristas nos ensinaram que prever é ilusório. 

O enunciado espontâneo do effort, com todo o vigor da linguagem e também todo seu ruído está tão intimamente ligado à ideia de criação que, no mito da gênese, o verbo vem antes da luz. Como poderia um sistema de informação comunicar sem saber? Como se vê, a ideia de Deus parece ser a ideia de algo diametralmente oposto ao conhecimento ou à informação. Se Deus tivesse esperado saber para depois dizer, o universo (segundo o mito bíblico da criação) jamais teria sido criado.

Digo justo porque não sei e, parafraseado Górgias (já parafraseado por Platão): se fosse possível saber, não seria possível compreender, e se fosse possível compreender, não seria possível comunicar. Assim, sem o enunciado cego do dizer effort, nem a eficácia tecnológica é possível. Saber é a mentira em que se funda o cálculo das previsões que se presta às apostas mas não à criação. Só o sem fundamento é capaz de fundar.

Nietzsche, no Aforisma 13 de “Para além do bem e do mal” diz:

 “Os seres querem antes de tudo dar vazão a sua força. Mais que se auto preservar”. 

Por tanto a eficácia, que essa cultura deseja, a própria vida não deseja. Nietzsche é algo a ser ainda alcançado, mas as mesmas características que põe em perigo esse princípio criador podem abrir justo o espaço em que os seres darão vazão a sua força.

Não tentem entender de arte. Não tentem ter resultado com arte. Façam arte. Porque a única coisa possível em relação a arte é fazê-la.

Daniel Mattos

Daniel Mattos

Nasceu em Petrópolis, em julho de 1975 e recebeu o nome de Daniel Vidal Mattos. Desde então está em busca de respostas sobre o que é ser Daniel Vidal Mattos, nascido em Petrópolis em julho de 1975. Não se parece com a foto aqui publicada.

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