IMPERDOÁVEL

IMPERDOÁVEL

Pouco depois do lançamento do filme Imperdoável pela Netflix no final do ano passado, eu li em algum lugar que ele provavelmente estaria entre os concorrentes ao Oscar 2022 dada sua qualidade. E, então, como eu tenho o hábito de procurar assistir os filmes indicados, não tardei a incluí-lo em “minha lista” da plataforma.

Mas o tempo foi passando, outras coisas foram sendo assistidas, a indicação ao prêmio não saiu, e acabou que o filme ficou lá parado. Até que, no fim de semana passado, mais de meio ano após tê-lo incluso em minha lista, finalmente resolvi assisti-lo.

O filme começa com a personagem principal Ruth Slater, vivida por Sandra Bullock, saindo da prisão após cumprir uma sentença de 20 anos por assassinato.

E, a partir de agora, será só spoiler.

###### SPOLIER ALERT ######

Logo é sabido que Ruth foi presa por ter matado um xerife que estava com a tarefa de cumprir a ordem de despejo de sua moradia, perdida para o banco. E também logo percebemos que sua vida não será fácil: o estigma de ter matado um policial a persegue em sua tentativa de conseguir emprego, nos olhares de policiais ressentidos que a seguem por onde ela passa e, principalmente, por um dos filhos do policial morto, que não aceita a redução de pena da assassina de seu pai por bom comportamento.

Diante de tanta dificuldade, ainda muito antes da metade do filme, desconfiei: quer ver como no final teremos a revelação que foi justificável ela ter matado o policial e ela será perdoada, ao menos aos olhos do público…?

Para chegar lá, vamos repassar a história que o filme vai construindo para nós.

Antes de ser presa, uma jovem Ruth, órfã de mãe e de pai (este por suicídio), tomava conta de sua pequena irmã de apenas 5 anos de idade. Sem condições financeiras de seguir com os pagamentos da hipoteca da propriedade, ela recebe a ordem de despejo que se recusa a cumprir, trancando-se armada dentro de casa e gritando para os policiais que não vai sair. Mas o xerife consegue entrar por uma porta secundária e acaba sendo morto a tiro.

Durante os 20 anos que esteve presa, Ruth tenta em vão contato com sua irmã, que havia sido adotada, enviando dezenas e dezenas de cartas nunca respondidas. Como a irmã fora separada de Ruth ainda muito pequena, os pais adotivos achavam que a menina não deveria saber que possuía laços com uma assassina, sendo melhor ter sua vida reconstruída dentro do novo núcleo familiar estável, que contava ainda com outra filha legítima mais próxima da idade da irmã de Ruth.

Ao ter a liberdade concedida e tomada por sentimento de nostalgia, Ruth decida visitar sua antiga residência, que, de forma contraditória, representa todas as coisas boas e ruins de sua vida. Mas como tudo em roteiro precisa ter uma função, a visita dela serve para que o novo proprietário da casa, um advogado bem sucedido, solidarize-se com a situação de Ruth e a ajude a tentar encontrar a irmã perdida.

Ao mesmo tempo, Keith, o filho desajustado do xerife morto, tenta convencer seu irmão, Steve, este pacato e com família recentemente formada, a se vingarem de Ruth. Mesmo reticente com a ideia de vingança, Steve decide ir até Ruth, não para confrontá-la ou mesmo dizer quem ele é, mas apenas para vê-la de perto, olhos nos olhos.

O advogado de Ruth agenda em seu escritório um encontro de Ruth com os pais adotivos na tentativa de chegaram a algum entendimento, mas Ruth coloca tudo a perder em apenas 5 minutos em um ataque de fúria que faz até mesmo o advogado perder paciência e não mais representá-la. A mesma pessoa que passou 20 anos sendo uma encarcerada exemplar, que aceita sem revidar porrada na cara e chute na barriga de uma colega de trabalho filha de policial vivo, agora fica destemperada quando está justamente negociando com as pessoas que podem facilitar ou dificultar o acesso à sua irmã… 🤷🏽‍♂️

Enquanto isso, Steve, o irmão pacato, faz uma descoberta: sua esposa o está traindo nada mais nada menos do que com Keith, seu irmão desajustado. E então o que Steve decide? Ir atrás de Ruth! Como assim? Steve nem queria se vingar. Era seu irmão que estava tentando convencê-lo. E aí Steve finalmente fica convencido quando vê Keith comendo sua mulher? Eu realmente não consegui entender essa relação causa / efeito.

Quando tudo parece mesmo estar conspirando contra Ruth, um golpe de sorte providencial ocorre: a filha legítima dos pais adotivos encontra as dezenas de cartas que Ruth havia enviado e resolve entrar em contato, marcando um encontro clandestino.

Mas Steve, que estava agora seguindo Ruth, vê o encontro e pensa erradamente que a filha dos pais adotivos seria a irmã verdadeira de Ruth e tem a ideia perfeita de vingança: olho por olho. Então, ele rapta a menina e convoca Ruth a encontrá-lo em um local ermo. Assim, ele matará a menina na frente de Ruth e a fará passar pelo mesmo sentimento de perda que ele passou. Não vou nem entrar no mérito do sadismo desse raciocínio.

Desesperada, Ruth volta à residência do advogado pedindo por ajuda, mas encontra apenas a esposa dele, que nunca teve simpatia por Ruth. Ela sequer a deixa se aproximar da porta de entrada, jogando em sua cara que ela é uma pessoa egoísta e disposta a fazer e dizer qualquer coisa para conseguir o que quer. Ruth então responde que ela fez o que precisava ser feito, que falara que ela tinha matado o xerife por que a irmã tinha apenas 5 anos.

E, então, chegamos à revelação que eu suspeitei ainda na primeira metade do filme. Mas, na verdade, eu estava errado. Não é que Ruth estaria justificada ao matar o xerife. Ela nem mesmo matou o xerife! Em um flashback, vemos que, enquanto Ruth gritava para que os policiais não entrassem em sua casa pois ela estava armada, é sua pequena irmã que pega uma espingarda e atira no Xerife após ele arrombar e adentrar a porta do porão. Ruth tinha apenas dito que ela tinha atirado porque, afinal, a irmã tinha apenas 5 anos.

Ruth agora era aos olhos do público uma mártir que havia sacrificado sua vida para proteger a pequena irmã de apenas 5 anos. Apenas 5 anos. Apenas 5 anos que tornam simplesmente impossível de ter força para apertar o gatilho de uma espingarda quase tão grande quanto ela. 🙄

Em seguida, a esposa do advogado decide ajudá-la e Ruth consegue salvar a menina raptada. Afinal, Steve só tinha entrada na onda ruim porque seu irmão tinha comido sua mulher. 🙄

Ruth finalmente encontra sua irmã que instanteanamente a reconhece e a abraça em um final redentor.

Preciso ser honesto e dizer que o filme é belamente bem produzido, dirigido e atuado. Sandra Bullock está possivelmente fazendo a melhor atuação de sua carreira. Para os emotivos como eu, lágrimas certamente virão aos olhos nos momentos mais dramáticos. Assistir ao filme está longe de ser um estorvo. Porém, todas essas características positivas do filme não conseguem maquear sua trama para a qual uma palavra é perfeita para definí-la: imperdoável.

Marcos Felipe Delfino

Marcos Felipe Delfino

Nascido em 1975, Marcos Felipe, também conhecido como Marquinho, ou Marquito, ou Kinets, já tentou ser músico, fotógrafo e cineasta entre outras frustrações. Hoje é servidor público.

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