Jack, o Pobre Condenado do Titanic

Jack, o Pobre Condenado do Titanic

Num dos últimos momentos do filme Titanic, dirigido por James Cameron e lançado em 1997 [Alerta de Spoiler], o valente Jack Dawson, interpretado por Leonardo Di Caprio, demonstra todo seu amor e devoção por Rose, personagem de Kate Winslet, sacrificando-se mergulhado nas águas geladas do Atlântico Norte, somente para que sua amada pudesse sobreviver boiando em um dos destroços do navio. Muitas críticas já foram feitas sobre esta cena marcante, sendo que a maior delas residia na constatação visual de que aquele pedaço de madeira flutuante talvez fosse suficiente para abrigar o casal, com alguma boa vontade.

Quanto a esse aspecto, de fato, não há muitas objeções a fazer, uma vez que o roteiro da obra define claramente que o objeto não seria suficiente para tal (no texto do script original: “It’s clearly only big enough to support her”). No máximo, se poderia argumentar que o trabalho da direção de arte não ajudou a construir a situação da melhor forma, escolhendo uma tábua grande demais, o que não reforçou o drama indicado no roteiro. No entanto, este talvez seja o menor problema com o sentido fabricado pela cena.

Durante o filme, aprendemos como o amor de Jack e Rose foi capaz de superar as diferenças de classe econômica, de educação formal e até mesmo de personalidade, uma vez que ele é apresentado como um jovem extrovertido, espontâneo e atrevido, enquanto ela é uma moça tímida, discreta e um pouco misteriosa. Uma paixão fulminante, baseada na premissa de que os opostos se atraem, e de que um tinha muito a aprender com o outro. Chama a atenção, também, que todo aquele amor tenha nascido e se fortalecido nos poucos dias de viagem antes da tragédia.

A cena final, então, se presta a coroar tudo isso com uma prova final de amor e heroísmo, levando plateias do mundo inteiro a suspirar de emoção. Mas uma análise desapaixonada do acontecimento pode revelar outras nuances. Afinal, um sujeito sagaz como Jack, que o filme tinha mostrado anteriormente como sendo capaz de superar perigos de todo tipo, incluindo o afundamento do navio, certamente teria encontrado outras soluções para um contratempo que parecia até trivial, quando comparado às demais situações.

Naquele momento, achar alguma forma de se manter vivo talvez fosse a maior prova de amor que Jack pudesse oferecer. Pouco antes de morrer, inclusive, ele se viu na obrigação de ameaçar outro náufrago desesperado que tinha pensado em se agarrar na mesma tábua de salvação de Rose. Por mais que Jack acreditasse que os botes do Titanic poderiam resgatá-los, ele logo sentiu que suas forças estavam se acabando, recitando um discurso tocante em que pede a Rose para não desistir, que a amada teria uma vida longa, muitos filhos, e que morreria em um futuro muito distante, em uma cama quente.

Como Jack podia ter a certeza de que, morto, Rose ainda seria salva? Quem iria protegê-la naquela situação? As palavras de Jack, nesta perspectiva, ganham um sentido mórbido: ele teria preferido enganá-la, morrendo primeiro para acabar logo com aquele sofrimento, do que boiar à deriva no oceano escuro e gelado por mais algumas horas, em completo desespero. Outra opção é que toda aquela astúcia do protagonista tenha se perdido, de uma hora para outra, talvez por causa do frio. Afinal, por que não tentar nadar alguns metros para procurar outro destroço, ou pedir à Rose para revezarem um pouco em cima da tábua?

A resposta óbvia é que o filme precisava acabar ali, depois de mais de três horas de duração, construindo o sentido belíssimo e altruísta que convenceu e emocionou as plateias. Se não fosse isso, certamente teríamos o velho Jack em ação, vivíssimo, provando todo o seu amor para continuar protegendo sua amada, o que ela mais precisava naquela hora.

Confira a cena abaixo:

Marcial Renato

Marcial Renato

Marido da Karin, a mulher mais bonita que já conheci na vida, pai da Ravena (super poderosa), do Henzo (a pronúncia é "Renzo", como o lutador) e da Laura (de olhos verdes). Filho da Alzira, a mulher mais forte do mundo, e do Paulo Roberto, o cara mais maneiro de todos os tempos. Já trabalhei como produtor de TV, Cinema e Internet, fui professor de Comunicação Social e hoje sou servidor de carreira da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Tenho um mestrado em Literatura e graduação em Publicidade e Propaganda, ambos na UFRJ. Em 2012, escrevi, produzi e dirigi o longa-metragem "Dia de Preto", com Daniel Mattos e Marcos Felipe Delfino, premiado em diversos festivais no Brasil e no mundo. Também sou autor dos livros "Rituais de Casamento", de 2015, junto com a Karin, e "Asgaehart: as invasões bárbaras", lançado em 2018. Duas vezes por ano jogo na lateral direita do time dos nascidos na década de 70 do Vale do Rio Grande (7X). Também gosto de pegar onda no verão, e nas horas vagas escrevo aqui no site da Maxie.

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